quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

FERREIROS E MÁGICOS: OS PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS MAIS ANTIGOS DA HISTÓRIA HUMANA POR GORDON CHILDE

QUEM?
Vere Gordon Childe (1892/1957). Filólogo australiano que se especializou em arqueologia. Autor de diversas obras importantes dessa segunda disciplina como A Evolução Cultural do Homem (1965).
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COMENTÁRIO
Vere Gordon Childe foi um homem estudioso, arqueólogo renomado de erudição notória. Suas pesquisas e descobertas fundaram a maioria das nossas convicções acerca dos misteriosos hábitos dos homens Pré-Históricos. Através de fragmentos e muita dedicação, ele, junto com seus colegas de profissão, foi literalmente desenterrando a história desse tempo. É impressionante o que ele constatou em suas escavações. São jarros, cestos, cerãmicas, metais, tumbas, ornamentos, ferramentas, armas, amuletos, enfim, uma riqueza sem limites para os amantes da arqueologia e que, com muitíssima dedicação, transformaram-se em dados e informações que compõem um mosaico relativamente confiável dessa impressionate aurora humana no planeta Terra. E, convenhamos, foi uma evolução brutal: do molde do barro à fundição de metais, do chumbo ao bronze e depois o ferro. Moldar as matérias da Natureza pareceu ao homem ato de criação, e era. Do domínio do fogo passando pela Pedra Lascada, as primeiras ferramentas e armas, a roda, a vela, a escrita e a matemática, enfim, o ser humano nunca mais pararia de inventar suas novas maneiras de se adaptar, controlar e explorar o ambiente que o contém. É a aventura humana na Terra seguindo sempre adiante. É o ser humano moldando o seu próprio futuro com a argila nodosa desse amanhã difuso e improvável que culmina hoje conosco, os modernos e pós-modernos.
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Tudo isso, como veremos, muitíssimo ligado à sobrevivência, à permanência dos grupos humanos das primeiras sociedades agrícolas, intimamente ligado à economia, à produção de alimentos e aos excedentes desses que poderiam assim alimentar esses novos profissionais especializados que nasciam em meio à cultura.
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CITAÇÕES
"A tarefa do ferreiro era mais complicada e exigente que a do ceramista, o conhecimento necessário era mais especializado. É duvidoso que a metalurgia pudesse ser praticada como uma indústria doméstica, nos intervalos do trabalho agrícola. Entre os bárbaros de hoje, os ferreiros são especialistas, e o trabalho do metal provavelmente sempre foi uma ocupação absorvente demandando todo o tempo do trabalhador. O ferreiro pode portanto, ser o trabalho especializado mais antigo, com exceção do mágico. Mas uma comunidade só pode ter um ferreiro se dispuser de um excedente de alimentos: o ferreiro, estando afastado da produção de alimento, deve ser alimentado com o excedente não consumido pelos agricultores. O uso industrial do metal pode, assim, ser considerado como indício da especialização do trabalho, e de que o abastecimento de alimentos da comunidade excede suas necessidades normais." (pág123)
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"O mágico pode ter sido o primeiro artesão independente, o primeiro membro de qualquer comunidade a ter direito ao produto excedente da busca coletiva de alimento, sem contribuir para ela com sua atividade física. Mas a vara do mágico é o embrião de um cetro, e os reis históricos ainda conservam muitos ornamentos de seu posto mágico." (pág138)
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LIVRO: A Evolução Cultural do Homem // AUTOR: Gordon Childe // EDITORA: Zahar // Rio de Janeiro: 1968

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A ARTE DO ARQUEÓLOGO E DO HISTORIADOR POR GORDON CHILDE

QUEM?
Vere Gordon Childe (1892/1957). Filólogo australiano que se especializou em arqueologia. Autor de diversas obras importantes dessa segunda disciplina.
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COMENTÁRIO
Aqui, nessas breves citações, veremos a definição do autor para o trabalho do arqueólogo e para a missão do historiador. Duas disciplinas que estudam a natureza do humano de todos os tempos e que ajudam a responder à mais primordial de todas as perguntas que nos assombram: quem somos nós?
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Numa só palavra: sensacional!
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CITAÇÃO
"Os pensamentos e crenças dos homens pré-históricos pereceram irrecuperavelmente, exceto na medida em que foram expressos em ações de consequências duráveis e podem ser recuperados pela pá do arqueólogo." (pág60)
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"A tarefa do historiador seria ressaltar o que é essencial e significativo na longa e complexa série de acontecimentos que examina." (pág21)
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LIVRO: A Evolução Cultural do Homem // AUTOR: Gordon Childe // EDITORA: Zahar // Rio de Janeiro: 1968

domingo, 16 de janeiro de 2011

GORDON CHILDE: APEGO À VELHAS TRADIÇÕES COMO MODO DE NÃO TER QUE PENSAR AUTENTICAMENTE

QUEM?
Vere Gordon Childe (1892/1957). Filólogo australiano que se especializou em arqueologia. Autor de diversas obras importantes dessa segunda disciplina.
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COMENTÁRIO
Certos autores possuem o dom da oratória perfeita - digo - da redação perfeita, de tal forma que parecem nos falar aos ouvidos enquanto os lemos em seus magníficos livros de pesquisa e histórias. É, certamente, o caso desse perito em épocas pré-históricas como as Idades Neolíticas e do Bronze na Europa e Oriente Próximo, respeitado e renomado por seus conhecimentos e erudição. Ler A Evolução Cultural do Homem de Gordon Childe é mergulhar fundo nesse vasto e fascinante prospectar de raízes da nossa própria humanidade enquanto conformação filogênica. A despeito de ser um arqueólogo renomado e extremamente técnico (um especialista), o autor consegue ser - nessa obra - coloquial e acertivo em nos transmitir seu intrincado e inteligente panorama da formação biológica e cultural desse ser vulgarmente conhecido como Homo Sapiens.
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Na citação, vemos o autor com seu estilo cortante e elegante de transmitir suas ideias. Um clássico antroposóciocultural extremamente relevante acerca da história do ser humano, recomendação Escriba com classificação 5 peninhas.
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Da Redação.
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CITAÇÃO
"Os homens se apegam apaixonadamente às velhas tradições e revelam uma relutância intensa em modificar modos habituais de comportamento, como os inovadores de todas as épocas verificam à sua própria custa. O peso do conservantismo, em grande parte uma aversão preguiçosa e covarde pela cansativa e penosa atividade de pensar autenticamente, sem dúvida retardou o progresso humano, no passado mais do que hoje." (´pág.45)
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LIVRO: A Evolução Cultural do Homem // AUTOR: Gordon Childe // EDITORA: Zahar // Rio de Janeiro: 1968

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

GREGOS DE ESPARTA: À CAÇA DE HUMANOS POR ROBERT FLACELIÉRE

QUEM?
Robert Flaceliére (1904). Estudioso do grego clássico nascido em Paris, França.
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COMENTÁRIO
O grego, e especialmente o espartano, vivia em função da guerra. A caçada fazia parte do treinamento militar desses povos antigos. Como não havia boa e farta caça na Ática do século de Péricles (450 a 350 aC.), os gregos de Esparta - na falta de coisa melhor para praticar a destreza e a astúcia - caçavam hilotas. Sim, soldados escravos, estrangeiros capturados em batalha, povos e populações vencidos, enfim, todos os bárbaros e gentios não gregos considerados inferiores e indignos de respeito e/ou consideração, e que eram encorporados a seus exércitos como uma espécie soldados de infantaria. Era a brutal caçada a humanos. Vejamos o que nos conta sobre isso Robert Flaceliére, perito no assunto Grécia Antiga.
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CITAÇÃO
"A caça e a pesca eram, como hoje, para uns, um verdadeiro ofício; para outros, uma simples distracção. Na sua Cinegética Xenofonte considera a caça como uma parte necessária e importante da educação do adolescente, porque exercita o corpo, habitua o homem ao perigo e prepara-o assim para a guerra, mas semelhantes ideias achavam maior favor na Lacónia do que na Ática, sendo inspiradas a Xenofonte pela sua admiração por Esparta, onde até se pratica a caça aos hilotas, ou seja, ao homem." (pág.205)
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LIVRO: A Vida Quotidiana dos Gregos no Século de Péricles // AUTOR: Robert Flaceliére // EDITORA: Livros do Brasil // Lisboa: 1937.
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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A VIDA QUOTIDIANA DOS GREGOS POR ROBERT FLACELIÉRE

QUEM?
Robert Flaceliére (1904). Estudioso do grego clássico, nascido em Paris, França.
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COMENTÁRIO
O livro A Vida Quotidiana dos Gregos de Robert Flaceliére é uma verdadeira maravilha. Lê-lo faz com que embarquemos numa extraordinária viagem de conhecimentos e cultura através do passado, retornando ao fascinante Século de Péricles nos tempos clássicos da Grécia Antiga. Como profundo conhecedor do assunto que é, o autor nos revela os pormenores da vida desses homens e mulheres que, com sua cultura inauguradora e singular, fundaram muitos dos parâmetros e alicerces civilizatórios com os quais convivemos intimamente até os dias atuais, e a importância deles na nossa própria maneira de conceber o mundo à nossa volta. Deixando de lado - extraordinariamente - essa visão deformada de uma Grécia idealizada e 'perfeita' que a maioria dos autores gosta de retratar e, ainda, abstendo-se igualmente de mergulhar muito a fundo nas obras dos grandes mestres da época - seja da filosofia, seja da proza e da lírica - esse autor se debruça com extrema habilidade e competência nos pormenores do dia a dia do grego antigo, criando assim uma imagem vívida desse povo que influenciou a humanidade desde seu longínquo tempo pregresso: 450 a 350 aC.
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Na primeira citação, vale notar que algumas semelhanças - como as nossas feiras-livres e o Ágora grego no bairro do Cerâmico, lugar onde se fabricavam os recipientes para os dois principais produtos de exportação gregos, o azeite e o vinho - fazem-se tão gritantes, que fica difícil acreditar que quase 2.500 anos se passaram de lá para cá. Sobre os valores, vemos que, acima de tudo, como valor supremo, vigora o culto cultura à liberdade. Veremos também neste post a fundação da primeira escola de filosofia, e também a origem da pederastia na Grécia provando que o referido assunto se encontra emaranhado histórica e culturalmente com infindáveis outros aspectos da vida quotidiana grega antiga. Sem dúvida, curiosidades fabulosas dessa enorme e belíssima confusão antroposociocultural a qual chamamos 'civilização'.
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Nas citações, escolhidas a dedo nesta belíssima obra, vemos várias passagens que compoêm um riquíssimo mosaico desta surpreendente cultura antiga que tanto marcou a história e os tempos da civilização humana na Terra, e que são o reflexo claro dessa excelente obra histórica e literária do estudioso francês Robert Flaceliére.
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Leitura fina constituída na erudição e no esclarecimento, numa prosa elegante e objetiva de um verdadeiro conhecedor do tema, na qual o atento Leitor - caso queira - poderá se deliciar, enquanto se torna, de quebra, mais informado e ilustrado acerca do que os gregos significaram para nós, pós-modernos.
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Da Redação.
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CITAÇÕES
Sobre o Ágora e sua diversidade sígnica e cultural:
"Todos os que dispõem de qualquer coisa para vender, escravos munidos de tecidos que acabam de fabricar, artífices do Cerâmico, de Mélite ou do Escabonidai, camponeses vindos das suas aldeias, antes do alvorecer, gentes de Mégara, tocando na sua frente os porcos, pescadores do lago Cópias, cruzam-se em todos os sentidos. Através das alamedas arborizadas, vão até os bairros que se dedicam às diversas mercadorias e que são separados por vedações móveis.Uns após os outros, de acordo com as hóras fixadas pelo regulamento, vão abrindo o mercado dos legumes, das frutas, do queijo, do peixe, da carne e dos enchidos, da criação e da caça, do vinho, da lenha, das loiças, dos objetos em segunda mão e das ferragens. Há até um canto para os livros. Cada mercador tem o seu lugar, assegurado por pagamento legal, à sombra de um toldo grande, ou de um guarda-sol, debaixo do qual expõe a sua mercadoria em cima de cavaletes perto do seu carro e dos animais em repouso. Os fregueses circulam, sãointerpelados: moços de recados e carregadores oferecem os seus serviços. Gritos, pragas e questões: os agorânomos não sabem a quem hão-de escutar. Quando os mercados ao ar livre se encontram fechados, a clientela dirige-se ao mercado coberto, um verdadeiro bazar à oriental, cujo fundo é ocupado pelos balcões." (pág.151)
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Sobre valores:
"Para os Gregos, enamorados da liberdade, depender de outrem para granjear o pão de cada dia, significava escravidão intolerável." (pág.131)
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Sobre a fundação da primeira escola de filosofia na Academia:
"Foi cerca de vinte anos depois de ele (Sócrates) ter bebido cicuta em 387 (aC.), o ano em que 'a paz do Rei' trouxe às cidades gregas uma certa tranquilidade, que Platão fundou a sua escola no ginásio da Academia. O professor e os seus discípulos procuravam em conjunto a verdade em longas discussões 'dialéticas', das quais os diálogos platônicos nos oferecem uma transposição literária. Mas não nos enganemos: essa espécie de universidade, a primeira que se abriu na Grécia, não era unicamente um local de ensino intelectual; era, ao mesmo tempo, uma espécie de comunidade religiosa, como a escola pitagórica, onde os filósofos e aprendizes de filósofo, unidos no culto das Musas, mas também pela memória do prestigioso Sócrates, se esforçavam por levar uma vida de grande pureza, a vida que prepara a alma, desembaraçada das impurezas do corpo, a subir após a morte à contemplação de Deus. A 'vida filosófica', com efeito, é uma preparação para a morte: absorve completamente o ser. É certo que Platão se não desinteressa da cidade terrestre, da qual traça o plano ideal (e utópico) na República e nas Leis, mas visa igualmente mais alto e mais longe - ao destino celeste do homem." (pág.129-130)
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Sobre a pederastia e o amor homosexual masculino como parte importante da cultura grega:
"Por muito desagradável que seja este assunto, é impossível passá-lo em claro: o amor dos rapazes desempenhou um papel demasiado importante na educação grega. Verifica-se, até, que a palavra 'amor' (eros) raramente se vê empregada nos textos da época clássica quando se trata da atração normal dos sexos e que a reservam quase exclusivamente ao amor homosexual. Um poeta como Ésquilo, que nunca representa no teatro o assunto dos Mirmidões o amor carnal de Aquiles e Pátroclo (quando a Ilíada apenas imaginou entre os dois heróis uma amizade calorosa mas pura). A tradição era tão forte na Grécia, nesse ponto, e tão persistente que, ainda na época romana, Plutarco, embora fosse ele próprio excelente marido e chefe de família numerosa, há-de crer-se obrigado a consagrar muitas páginas do seu Diálogo Sobre o Amor à demonstração de que as jovens, no fim de contas, também como os rapazes, eram capazes de inspirar um sentimento apaixonado! Argumentar-se-á que este estado de coisas provinha, em Atenas, do facto de as raparigas viverem reclusas e serem iletradas. Mas, em Esparta, onde elas se mostravam em público seminuas e onde os rapazes pouco cultivavam a inteligência, a pederastia abundava (ou calsava estragos) mais profunda e abertamente do que em Atenas. Em compensação, é inegável que a nudez dos jovens em casa do pedótriba favoreceu a pederastia. As numerosas pinturas de vasos, que representavam crianças e efebos praticando a ginástica, possuem inscrições do tipo de calos, que são outras tantas dedicatórias à 'formosos rapazes'. Mas é preciso ir mais longe. H.-I. Marrou teve razão - creio - em insistir sobre a origem militar da homosexualidade na Grécia. Limitou-se, de princípio, esta, em sua opinião, a ser uma forma de 'camaradagem guerreira' que viria a sobreviver à Idade Média helênica, mas se conservaria melhor nos estados dórios, que conheceram uma 'ossificação' arcaizante das suas instituições. Tudo se passa, de resto, aparentemente como si os próprios dórios tivessem levado esses custumes para Élade. A cidade grega, mesmo evoluída como a Atenas do século de Péricles, continua a ser um 'clube de homens', 'um meio masculino' interdito ao outro sexo, no qual a dedicação apaixonada de um homem (o erasta) e de um adolecente de doze a dezoito anos (o erómena) pode ser fomentadora de nobres sentimentos de honra e de coragem. O famoso 'batalhão sagrado' de Tebas, no século IV, é um exemplo típico da bravura colectiva sustentada e simentada por 'amizades especiais'. (pág.123-124).
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LIVRO: A Vida Quotidiana dos Gregos no Século de Péricles // AUTOR: Robert Flaceliére // EDITORA: Livros do Brasil // Lisboa: 1937.