sábado, 22 de agosto de 2009

A BIBLIOFILIA DE JOSÉ MINDLIN

QUEM?
José Ephim Mindlin (1914). Advogado, empresário, bibliófilo e escritor brasileiro. Autor de No Mundo dos Livros, obra interessante onde relata um pouco de sua história, bem como das leituras que fez em seus noventa e cinco anos de amor aos livros.
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CITAÇÃO
"O mundo dos bibliófilos é de grande interesse. O amor aos livros aproxima as pessoas e forma sólidas amizades, o que não impede, no entanto, rivalidades também sólidas mas amistosas quando dois bibliófilos se deparam com obras de interesse comum. O mundo da bibliofilia, no entanto, é uma fauna em que geralmente existe respeito mútuo, e os conflitos se resolvem de forma civilizada e cortês" (pág59)
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COMENTÁRIO
José Mindlin é uma figuraça! Amante contumaz de livros e edições especiais, leitor ávido desde a infância, reuniu uma biblioteca tão impressionante que foi gentilmente doada por ele para a USP que, por sua vez, está construindo um prédio especialmente para abrigá-la. No Mundo dos Livros é uma obra sensível, cheia de dicas boas para leitores iniciantes, e também para os veteranos, pois o autor e bibliófilo resenha e indica livros e autores da literatura imortal de todos os tempos. Livro leve, de um homem culto, letrado, que sabe que os livros podem mudar a vida das pessoas, tornando-se uma paixão - diria eu - das mais sadias que há. Dica especial que pode ser achada em qualquer livraria, pois trata-se de um lançamento, muito bom, diga-se de passagem.
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LIVRO: No Mundo dos Livros // AUTOR: José Mindlin // EDITORA: Agir // Rio de Janeiro // 2009

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

A ESCLARECEDORA HISTÓRIA DA RIQUEZA DO HOMEM PELA PENA REBELDE E CRÍTICA LEO HUBERMAN

QUEM?
Leo Huberman (1903/1968). Notável jornalista e escritor norte-americano. Sua obra mais importante é História da Riqueza do Homem (1936). Foi o co-fundador da revista Monthly Review.
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COMENTÁRIO
Ler Leo Huberman em A História da Riqueza do Homem é elucidar uma série de acontecimentos importantes através dos tempos da humanidade que fizeram o mundo ser assim como é: desigual. Lendo esta obra interessantíssima de carater histórico cultural inestimáveis, temos uma visão ampla e clara de como a riqueza mundial se acumulou nas mãos alguns poucos homens, e de como estes indivíduos sempre se tornaram mais e mais ricos devido a suas posições sempre privilegiadas, dando origem a este monstro desproporcional que é a concentração de renda e suas nefastas consequências, que espalham miséria e indignidade para as demais camadas da população mundo a fora, constituindo e perpetuando este profundo e vertiginoso abismo que separa ricos e miseráveis. Esta inominável minoria de seres que tudo podem e possuem, em contraste agudo com esta massa de pessoas que nada tem. Em sua narrativa fluida e clara, inteligente, crítica e competente, este grande autor rebelde da língua norte-americana nos evidencia as armações, os mecanismos, enfim, as táticas excludentes que estes gananciosos capitalistas utilizaram para construir seus impérios. Na foto acima, onde vemos o alvo semblante deste notório agitador e crítico social norte-americano, deparamo-nos com um momento importante da história contemporânea, onde este depõe na famigerada comissão do Senado daquele país, comissão esta encabeçada pelo crápula, paranóico e cretino Senador MacCarthy que, em sua ânsia de perseguição, impôs um clima de medo e paranóia que assolou a America do Norte nos anos 1950, atrapalhando a vida de muitos cidadãos daquele país, quando por desventura caíam em suspeita e eram chamados a depor em sua famigerada Comissão. Algo, guardadas às devidas proporções, comparável a Santíssima Inquisição que perseguia, torturava e matava cruelmente - segundo seus voláteis interesses - as vítimas da vez, através de práticas repugnantes e brutais. Uma espécie de Diabo ou Mau muito convinientes, muito longe dos desígnios e propósitos divinos do Criador de tudo que existe.
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Nas citações escolhidas a dedo dentro desta interessantíssima obra de história e crítica social, vemos a perspicácia deste autor em traçar um panorama da evolução da riqueza, descrevendo com clareza os métodos e os acontecimentos políticos e sócio-culturais que levaram a humanidade a calcar sua vida no consumo, alimentando com seu suor e com seu sangue a esta imensa avassaladora máquina capitalista que hoje nos devora a todos - inclusive ao próprio planeta esgotado - em suas infinitas ganâncias por mais lucro.
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CITAÇÕES
Sobre o valor da vida humana:
"Na verdade, no século XI, um camponês francês estava avaliado em 38 soldos, enquanto um cavalo valia 100 soldos!" (pág17)
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Sobre a eterna e viciada relação de senhores e servos:
"Todos os trabalhadores dedicados ao mesmo ofício numa determinada cidade formavam uma associação chamada corporação artesanal. Hoje em dia, quando um político ou industrial faz um discurso sobre a "associação do Capital e Trabalho" , o trabalhador experimentado pode, com justiça, dar de ombros e exclamar: "Isso não existe!" Não pode acreditar nessa afirmação, pois aprendeu pela experiência que há um abismo entre o homem que paga e o que é pago." (pág64)
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Sobre o boicote imposto ao povo pelos poderosos da vez, expulsando-os das terras:
"O movimento de fechamento das terras provocou muito sofrimento, mas ampliou as possibilidades de melhorar a agricultura. E quando a indústria capitalista teve necessidade de trabalhadores, encontrou parte da mão-de-obra entre esses infelizes desprovidos de terra, que haviam passado a ter apenas a sua capacidade de trabalho para ganhar a vida." (pág118)

Sobre o desaparecimento dos artesãos independentes da Idade Média:
"Do século XVI ao XVIII os artesãos independentes da Idade Média tendem a desaparecer, e em seu lugar sugem os assalariados, que cada vez dependem mais do capitalista-mercador-intermediário-empreendedor." (pág125)

Sobre a política mercantilista e seus nefastos efeitos nas sociedades:
"O fruto da política mercantilista é a guerra. A luta pelos mercados, pelas colônias - tudo isso mergulhou as nações rivais numa guerra após a outra." (pág142)
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Sobre a burguesia e a revolução:
"Foi essa classe média, a burguesia, que provocou a Revolução Francesa, e que mais lucrou com ela. A burguesia provocou a Revolução porque tinha de fazê-lo. Se não derrubasse seus opressores, teria sido por eles esmagada. Estava na mesma situação de um pinto dentro de um ovo que chega a um tamanho em que tem de romper a casca ou morrer. (pág159)

"A burguesia forneceu a liderança, enquanto os outros grupos realmente lutaram. E foi a burguesia quem mais lucrou.
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Sobre a morte do feudalismo:
"Quando o fumo da batalha se dissipou, viu-se que a burguesia conquistara o direito de comprar e vender o que lhe agradasse, como, quando, e onde quisesse. O feudalismo estava morto." (pág163)
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Sobre as primeiras acumulações de riqueza da história e seus métodos:
"A descoberta de ouro e prata na América, a extirpação, escravização esepultamento, nas minas, da população nativa, o início da conquista e saque das Índias Orientais, a transformação da África num campo para a caça comercial aos negros, assinalaram a aurora da produção capitalista. Esses antecedentes idílicos constituem o principal impulso da acumulação primitiva." (pág169)
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Sobre o comércio de seres humanos como forma de enriquecer:
"O comércio trouxe a riqueza à metrópole. Fez as primeiras fortunas dos comerciantes europeus. Particularmente interessante como fonte de acumulação de capital foi o comércio de seres humanos, os negros nativos da África."
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LIVRO: A História da Riqueza do Homem // AUTOR: Leo Huberman // EDITORA: Zahar // rIO DE jANEIRO // 1974 // 10a edição

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O OLHAR PRECISO DE GUY DE MAUPASSANT

QUEM?
Henry René Albert Guy de Maupassant (1850/1893). Notabilíssimo escritor e poeta francês inclinado em suas histórias a criar ambientes psicológicos e também de crítica social lançando mão da interessante técnica de construção literária chamada naturalista. Foi amigo pessoal e discípulo de Gustave Flaubert. Além de romances e peças de teatro, Maupassant deixou 300 contos, todos obras de grande valor.
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COMENTÁRIO
Certos escritores talentosos, como é o caso de Guy de Maupassant, são capazes de traçar um raio X perfeito de sua época, de seus costumes, de sua vida social, e ainda criticá-los com grande sabedoria e eloquência, e tudo isso num só parágrafo; tarefa digna dos gênios. E ele o era. Não é por certo sem razão que seu nome está estreitamente associado a este gênero de literatura tão adorado e cultuado através do tempos: o Conto. Nesta citação proveniente do conto O Abandonado, vemos Maupassant, em grande estilo, numa dura e mordaz crítica aos casamentos arranjados e às inevitáveis consequências que esta retrógrada prática provocava, ao enredar mulheres e homens cujas vidas eram arranjadas, combinadas, misturadas quase sempre sem afeição, única e exclusivamente de acordo com as necessidades da soberba conveniência. O resultado? O adultério. Velado, discreto, conveniente e, especialmente, sutil para não afrontar a sensível sociedade francesa daqueles tempos outrora.
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CITAÇÃO
"Haviam-na casado, como em geral casam as moças. Mal conhecia o noivo, um diplomata, em companhia do qual viveu, mais tarde, a mesma vida vivida por todas as mulheres da sociedade." (pág180)
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LIVRO: Histórias Eternas // AUTOR: Guy de Maupassant // CONTO: O Abandonado // EDITORA: Cultrix // São Paulo // 1959

A SABOROSA PROSA DE BRILLAT SAVARIN

QUEM?
Jean Anthelme Brillat-Savarin (1755-1826). Advogado, político e escritor francês que ganhou fama como grastrônomo e epicurista. Autor do esplêndido e inesquecível livro A Fisiologia do Gosto.
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COMENTÁRIO
Ler a prosa fina e competente de Brillat Savarin é um deleite. Sim! É dar-se ao desfrute de um texto bem temperado extremamente saboroso, culto e sofisticado. Pois o homem conhecia a fundo o assunto que abordava, o prazer à mesa, e tudo mais que cerca esta nobre e necessária atividade social tão amalgamada à nossa existência. Em sua época, tempo distante de fartura e opulência na província francesa, bem no fim do século XVIII e no início do XIX, surgia, pela primeira vez, os termos gourmets (apreciadores), e gourmands (glutões), que eram exatamente os nomes dados a estes sujeitos privilegiados da nobreza, que tinham, sem dúvida, extremo bom gosto e inclinação aos prazeres gastronômicos, e que se atiravam vorazmente em banquetes e degustações intermináveis, que se sucediam uns aos outros ocupando todo o decorrer de seus dias. Viviam em busca do vinho certo, de uma região específica, dos alimentos nobres e exóticos oriundos de tradições milenares daquelas terras; além de saborearem ávidos as aves, os doces, as trufas; de comerem peixes, moluscos, frutas, caças; de sorverem licores, fermentados e destilados; além, é claro, de devorarem uma miríade de receitas doces e salgadas de forno e fogão.
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Este interessantíssimo autor, com sua pena ágil e leve, utilizando-se do excelente formato Ensaio, trouxe à luz o retrato fiel de um tempo épico de luxo e sofisticação culinária, onde nasceram práticas seguidas até os dias de hoje. Enfim, o cara era do ramo! Entendia e muito do riscado. Marcou época e fez história com seu imperdível livro A Fisiologia do Gosto, do qual foi retirada esta brilhante passagem, que mostra com nitidez sua inclinação pessoal hedonista, além, é claro, de sua prosa fina, inteligente e bem humorada; indicação especial de hoje deste velho Escriba digital pós-tudo.
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CITAÇÃO
"O homem é, incontestavelmente, dos seres sensíveis que povoam nosso globo, o que mais está sujeito ao sofrimento. A natureza o condena inicialmente à dor pela nudez da sua pele, pela forma de seus pés e pelo instinto guerreiro e destrutivo que acompanha a espécie humana onde quer que ela haja sido encontrada.
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Os animais não receberam esta maldição e, fora certos combates causados pelo instinto de reprodução, a dor, no estado natural, seria absolutamente desconhecida pela maioria das espécies, enquanto que o homem, que só sente prazer passageiramente e por intermédio de um pequeno número de órgãos, pode sempre, e por intermédio de todas as partes do seu corpo, ser submetido às dores mais espantosas.
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Esta condição do destino foi agravada, na sua execução, por uma multidão de doenças que resultam dos hábitos e da condição social. Dessa maneira, nem mesmo os prazeres mais vivos e mais bem conduzidos que se possa imaginar podem, seja em intensidade, seja em duração, compensar as dores atrozes que acompanham alguns desarranjos, tais como a gota, a dor de dentes, os reumatismos agudos, a disúria ou os suplícios que são costume em certos povos. É este temor, arraigado na prática, que sente da dor que faz com que o homem, mesmo sem ter consciência disso, se lance no sentido oposto, entregando-se por completo ao pequeno número de prazeres que a natureza lhe concedeu." (pág161)
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LIVRO: "A FISIOLOGIA DO GOSTO" // AUTOR: BRILLAT SAVARIN // EDITORA: SALAMANDRA RIO DE JANEIRO, 1989 // PRIMEIRA EDIÇÃO: 1848

terça-feira, 4 de agosto de 2009

VÍCIOS NÃO SÃO CRIME DE LYZANDER SPOONER

QUEM?
Lysander Spooner (1808/1887). Notável anarquista, filósofo político norte-americano cujo trabalho era dedicado à luta contra as incontáveis contradições humanas, como a escravidão e o capitalismo. Humanista todo, lutou por atenuar as misérias humanas e as desigualdades de seu tempo. Autor do sensacional Vícios não são Crime.
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COMENTÁRIO
Não é de hoje que o Estado se mete em demasia na vida dos cidadãos comuns. No tempo de Spooner era o álcool o grande vilão, mas seu discurso se aplica bem a várias outras questões bastante atuais que assolam os nossos conturbados dias deste início de terceiro milênio. Na citação escolhida, vemos o brilhante autor fazer uma referência direta à corrupção, que assola, assolou e sempre assolará os governos de todos os tempos, até porque, onde há grande concentração de poder, haverá, sem dúvida, excessos e desvios de conduta.
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CITAÇÃO
"Se, em resumo, esses homens, tão ansiosos pela supressão do crime, interrompessem, por algum tempo, os seus apelos à intervenção do governo em vista da supressão dos crimes dos indivíduos, e incitassem o povo a ajudá-los a suprimir os crimes do governo, demonstrariam o seu bom senso e a sua sinceridade de maneira muito mais convincente. Quando as leis forem, no seu conjunto, tão justas e equitativas, que se torne possível a todos os homens e mulheres viver honestamente, haverá muito menos ocasiões do que hoje que possam ser invocadas para os acusar de uma forma de vida desonesta e desregrada." (pág47)
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LIVRO: Vícios não são Crime // AUTOR: Lysander Spooner // EDITORA: Aquariana // Coleção B // São Paulo // 2003