domingo, 18 de outubro de 2009

HERÁCLITO DE ÉFESO: DEUS EM TODAS AS COISAS, LUGARES E INSTANTES

QUEM?
Heráclito de Éfeso (aprox. 540 a.C. - 470) foi um filósofo pré-socrático conhecido como "Obscuro" e também como o "pai da dialética". Sua alcunha advém, principalmente, da forma com que escreveu seu livro Sobre a Natureza que traz um estilo obscuro, próximo a sentenças oraculares.
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COMENTÁRIO
Debruçar-se sobre si mesmo e por sobre a natureza do ser e das coisas é tarefa, sem dúvida, ímpar. Sim! Porque compreender dói. Cega a vista, machuca o olhar, mutila a razão e pode mesmo aniquilar o ser frágil e perplexo que, diante de tudo, sente-se esmagado por sua aparente insignificância. E, por falar nesse (tudo), Heráclito viveu atento a tudo com um olhar penetrante e crítico que, por fim, viria a mudar radicalmente a maneira de pensarmos e compreendermos nós mesmos além dos fenômenos da Natureza. Dialética é uma 'coisa' muito simples e rudimentar - hoje - que praticamos todo o tempo quando pensamos, tomamos tino de algo, julgamos e tomamos decisões. É-nos tão natural que o fazemos sem pensar. Todavia, alguém teve que refletir sobre isso primeiro, de forma inusitada e inauguradora. Este foi Heráclito!
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Na citação escolhida, vemos o Mestre filósofo grego pronunciar-se sobre o conflito presente em tudo.
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CITAÇÃO
"O conflito é pai de tudo, de tudo é rei; designou uns para deuses, outros para homens; de uns fez escravos, de outros, livres." (pág232)
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LIVRO: Heráclito e seu (dis)curso // AUTOR: Donaldo Schüler // EDITORA: L&PM // Porto Alegre // 2000

terça-feira, 13 de outubro de 2009

OS DEUSES TÊM SEDE DE ANATOLE FRANCE: OS MUITOS LADOS DE UMA MESMA HISTÓRIA

QUEM?
Jacques Anatole François Thibault, mais conhecido como Anatole France (1844/1924) Talentoso escritor francês. Autor de Os Deuses Têm Sede. Outras obras são: Thais, 0 Lírio Vermelho, O poço de Santa Clara, A rebelião dos anjos entre outras.
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COMENTÁRIO
Não é de hoje que, vira e mexe, uma meia dúzia de três ou quatro malucos vêm, tomam o poder, e fazem dele um verdadeiro cavalo de batalhas, gerando calamidades das mais diversas espécies, e derramando o sangue de pessoas, muitas vezes, inocentes. Mesmos que estes malucos estejam lutando por mais liberdade, igualdade e fraternidade para a coletividade. O poder corrompe as intenções. Aleija a boa vontade e despedaça as ilusões. Sublima o indivíduo, destrói o ser. Turva o saber e cega a razão. Interesses, inveja, despeito, fundamentalismo, hipocrisia, tentação, cobiça, prevaricação, imprudência, corrupção, inveja, dinheiro, comodismo são apenas alguns dos sedutores atalhos que podem fazer o homem bom se desvirtuar. Difícil é estar imune trafegando nas proximidades do poder, onde a promiscuidade é regra e não a exceção, onde o virtuoso facilmente destoa do grupo que deveria integrar, presa de seu fisiologismo e de seus vícios mais sórdidos. Política: maldita profissão inferior que não requer referência de nenhuma espécie para restringir o ingresso da turba em suas fileiras. Afora, é claro, o sufrágio das urnas; ou seja, a voz do Povo que, diga-se, só a tem de fato de quatro em quatro anos, e olhe lá! Acontece, caro Leitor, que a voz do Povo é burra, pois o Povo é, em sua maioria esmagadora, analfabeto, quase sempre manipulável e volúvel - volátil mesmo, diria eu - e capaz das maiores atrocidades quando reunido em massa e irritado em seus brios mais íntimos de sua cidadania. Pois - como já escreveu sabiamente meu prezado amigo Roberto Raup da belíssima e histórica Rio Pardo/RS - quando aglomerados, passamos a reagir instintivamente às situações do ambiente que nos contém numa espécie de Síndrome de Manada, onde retornamo-nos animais brutos e de novo irracionais, a ponto de esmagar tudo em nosso caminho, incluído nossos semelhantes. Foi assim nas Cruzadas, na Santíssima Inquisição, no nazismo, na Ditadura Militar brasileira, na África do Sul, no Vietnã, no Mundo inteiro e, como não poderia deixar de ser, também na Revolução Francesa. As tais liberdade, igualdade e fraternidade foram conquistadas - 'em parte', na ampla aplicabilidade e compreensão do termo aqui empregado - com suor, lágrimas e sangue, muito sangue! Quando a realeza privilegiada da França do Século XVIII caiu, não perdeu apenas o direito às suas posses terrenas e materiais, suas riquezas e luxos, mas também às próprias cabeças que ficavam, até então, firmes com empáfia em cima de seus pescoços, antes de serem guilhotinadas pelos representantes do povo na Convenção e no Tribunal Revolucionário. Não é brincadeira não! Montanhas de cabeças decepadas, oriundas de julgamentos sumários e viciados; um banho de sangue; paranóia, medo, perseguição, filhos denunciando pais com objetivos sórdidos e pecuniários, vizinhos traindo vizinhos, irmãos, pais, padres, soldados, companheiros; perseguidos, presos e mortos; enfim, uma lástima. E, vale notar, isso tudo se dava ao mesmo tempo em que nasciam os primeiros raios da luz que, radiante, iluminaria as mentes humanas mais elevadas, no sentido da aplicação prática dos lemas altruístas já mencionados aqui que, posteriormente, viriam a servir de estrutura sólida e base, para espelhar a constituição moral do Velho Mundo e das demais nações do mundo ocidental, na hora de forjar suas Cartas Magnas, Constituições e seus tratados democráticos de civismo. Lições importantes, apreendidas através dos tempos a ferro e a fogo! Verdades que nos ensinam muito até hoje, mesmo que salvaguardadas nos tempos idos de outrora, lacradas com o selo do passado.
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Para vivermos em grupo, tivemos que criar uma série de dispositivos complexos e complicados de poder e de controle, sem os quais a vida social se torna impossível e inviável. Olhar para trás, através das lentes - mesmo que distorcidas - da história - pois sempre há a ótica parcial do punho que detém a pena que registra os fatos - e isto nos permite uma constatação plena da nossa incapacidade e insuficiência tácita em compreender a nós mesmos, especialmente, quando nos juntamos, nos revoltamos e resolvemos juntos e à força mudar o Mundo. Força estranha e poderosa que assusta e subjuga qualquer oposição, que soergue o panteão da sabedoria, mas que, de igual modo, assinala no anais da história nossa fragilidade indelével diante das seduções do poder, jogando na lama imunda da infâmia e da indignidade toda uma espécie. Ser humano, sem dúvida, é ação e reação; revolução e ilusão; contradição; ser humano é conflito.
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Nas citações escolhidas a dedo dentro da interessantíssima obra que é Os Deuses Tem Sede de Anatole France vemos patente a marca certeira do gênio que sabe, com poucas palavras, passar toda uma miríade de nuances e sensações que, o tolo escrevinhador comum, gastaria páginas e páginas para descrever, sem sucesso e sem a menor graça. Os Deuses Tem Sede é um livro muito bem escrito que serve - entre muitas outras coisas - para nos reconhecermos a nós mesmos como falíveis e humanos, principalmente, quando expostos às feridas pútridas da política e do poder, pústulas repugnantes e contagiosas estas que, pululam na sociedade contemporânea, mas que, todavia, vez por outra, desempenham papéis fundamentais nas conquista de avanços inestimáveis para a humanidade, mesmo que a um altíssimo preço.
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Um abraço livre, igual e fraterno para os meus poucos e fiéis Leitores.
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Da Redação.
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CITAÇÕES
Sobre a autêntica filantropia num diálogo entre o personagem humanista e ex-financeiro Brotteaux, e um padre que este acolheu na rua condenado á prisão e provavelmente à morte, sob pena de ser ele mesmo Brotteaux, incriminado:
"Deu o colchão ao seu hóspede e guardou a palha para si, mas o religioso reclamou-a por humildade, com tal convicção que teve de o satisfazer. Depois de terminar as arrumações, Brotteaux soprou na vela, por economia e por prudência.
- Senhor - Disse-lhe o religioso - reconheço o que faz por mim; mas, tem pouco interesse para o senhor que eu o considere bom. Possa Deus recompensá-lo! Isso sim, teria interesse para o senhor. Mas Deus só leva em conta o que é feito para Sua glória e o que provém de uma virtude puramente natural. É por isso que lhe suplico, senhor, que faça por Ele o que foi levado a fazer por mim.
- Meu pai - respondeu Brotteaux - não tenha a menor preocupação e não pense dever-me algum reconhecimento. O que faço neste momento, e de que exagera o mérito, não o faço por amor ao senhor: porque, afinal, embora o senhor seja amável, conheço-o há pouco tempo para o amar. Também não o faço por amor à humanidade: pois não sou como Don Juan paracrer, como ele, que a humanidade tem direitos; e estepreconceito num espírito tão livre como o seu, aflige-me. Faço-o por aquele egoísmo que inspira ao homem todos os atos de generosidade e dedicação, fazendo-o reconhecer-se em todos so miseráveis, dispondo-o a lamentar o bseu próprio infortúnio no infortúnio alheio e levando-o a auxiliar um mortal semelhante a ele pela natureza e pelo destino, até acreditar que socorre a si mesmo socorrendo-o. Faço-o também por passatempo: porque a vida é agora tão insípida que é preciso arranjar distração a todo custo, e a benfeitoria é um divertimento bastante enfadonho a que nos damos na falta de outreos mais saborosos; faço-o, enfim, por espírito de sistema e para lhe mostrar do que é capaz um ateu." (pág159)
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Mais adiante, no mesmo debate filosófico entre os dois - o padre e Brotteaux - numa citação de Epicuro feita pelo segundo sobre o poder de Deus:
"Epicuro disse: Ou Deus quer impedir o mal e não pode, ou pode e não quer. Se quer e não pode, é impotente; se pode e não quer, é perverso; se não pode nem quer, é impotente e perverso; se pode e quer, por que não o faz, meu pai?" (pág181)
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Sobre uma passagem dramática quando Evaristo Gamelin, jurado do tribunal revolucionário, um dos personagens principais da história com amplos poderes, e sua amante, Elodie, numa cena, literalmente, de amor e ódio, se digladiam e se amam:
"-Estás vingada - disse. - Jacques Maubel já não existe. A carruagem que o conduzia à morte passou de baixo da tua janela, rodeadea de archotes.
Ela compreendeu:
- Miserável! Foste tu que o mataste, e não era o meu amante. Não o conhecia... nunca o vi... Que homem era esse? Era um jovem, amável... inocente. Mataste-o, miserável! Miserável!
Caiu desvanecida. Mas, nas sombras desta morte, sentia-se ao mesmo tempo inundada de horror e de voluptuosidade. Reanimou-se; as suas pesadas pálpebras descobriam o branco dos olhos, a garganta arquejava, as mãos procuravam o seu amante. Apertou-o nos braços, enterrou-lhe as unhas na carne e deu-lhe, com os seus lábios atormentados, o mais mudo, o mais surdo, o mais longo, o maisn doloroso e o mais delicioso dos beijos.
Ela amava-o de todo o coração e, quanto mais ele lhe aparecia terrível, cruel, atroz, quanto o mais o via coberto do sangue das suas vítimas, mais tinha fome e sede dele." (pág206)
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LIVRO: Os Deuses Têm Sede // AUTOR: Anatole France // EDITORA: Otto Pierre Editores // Lisboa // Sem data
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sexta-feira, 9 de outubro de 2009

OS DEUSES TÊM SEDE DE ANATOLE FRANCE: A REVOLTA E O AUTO-JULGAMENTO DE UM POVO E DE UM TEMPO

QUEM?
Jacques Anatole François Thibault, mais conhecido como Anatole France (1844/1924) Talentoso escritor francês. Autor de Os Deuses Têm Sede. Outras obras são: Thais, 0 Lírio Vermelho, O poço de Santa Clara, A rebelião dos anjos entre outras.
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COMENTÁRIO
A França, desde sempre, tem sido o berço e a Pátria das luzes e das grandes reflexões e conquistas sociais que hora gozamos, e os franceses sempre foram ferrenhos empreendedores dos direitos universais do ser humano, mesmo que por caminhos tortuosos e sangrentos. Neste intrincado contexto histórico de conflito, eis que surge a Convenção e, com ela, a famigerada guilhotina, símbolo de uma época importante, sem dúvida, mas eregida por sobre os escombros da antiga, herdando seus vícios e defeitos; afinal, precisavam construir um 'novo mundo' onde pudessem ser mais livres, menos desiguais e mais fraternos. Anatole France em Os Deuses Tem Sede fala sobre isso, e ambienta sua estória justamente aí, no âmago da revolta, no coração da revolução, no centro de um 'mundo novo' que estava por se criar. Tarefa árdua! Mundo este que, em sua fúria demandou milhares de almas obstinadas que lutaram por mais dignidade nas fronteiras sociais, históricas, morais, culturais e religiosas, transformando este mundo num lugar mais justo, ou seja, a realidade que nos cerca agora, hoje, mais digna e democrática, até porque, como dizia Winston Churchill, ex-presidente norte-americano, "...a democracia é o pior regime político que existe, depois de todos os outros! ".
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O título da própria obra é tão interessante e sugestivo que nem é preciso dizer de que os deuses tinham sede. Nesta época ímpar de outrora, onde nasciam valores que perdurariam até hoje no mundo ocidental, vemos este inteligente autor francês retratar através de sua pena leve e sua prosa elegante - num sentido até de modo clássico de escrever romances, que não podia deixar de contar com amores brutos e arrebatadores, artistas e intelectuais revoltos e entrechocantes, cenário histórico de importância nótavel, enfim - um mundo admirável e fabuloso, agônico e pungente; perfeito para uma grande história. Trata-se de uma obra magnífica, sem dúvida, para quem admira e curte a velha linguagem mais floreada e gentil, mais rebuscada e mais sóbria aos mesmo tempo; por fim, um livro feito à moda antiga. Para quem gosta, como este humilde Escriba que aqui escreve - digo - digita e clica, é uma verdadeira maravilha.
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Na citação escolhida, vemos o autor esbanjar de seu tom crítico e filosófico ao dar voz a um de seus personagens, o velho Brotteaux, homem ateu que, segundo o que o próprio autor deixa claro em seu texto, - "usava este seu ateísmo como uma abundante fonte de delícias" - no caso aqui, nesta citação, usa como argumento dentro de uma discussão ideológica complicada que trava lá pelas tantas do livro em plena rua da Paris pós - digo - plena-revolução. Isso na fila do pão, pois além da revolta das massas, a França era também, violentamente, assoitada pela fome e pela escassez total de víveres. Muitos, de fato, passaram fome. Uma grande estória Anatole France. Vale a pena!
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CITAÇÃO
"Vejo, cidadão Gamelin, que, revolucionário por tudo quanto há na Terra, é, quanto ao Céu, conservador e mesmo reacionário. Robespierre e Marat são-no tanto como o senhor. E acho singular que os franceses, que já sofrem de rei mortal, se obstinem em guardar um imortal muito mais tirânico e feroz. Pois o que é a Bastilha, e mesmo a câmara-ardente, junto do Inferno? A humanidade copia os seus deuses dos seus tiranos, e o senhor, que rejeita o original, guarda a cópia!" (pág75)
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LIVRO: Os Deuses Têm Sede // AUTOR: Anatole France // EDITORA: Otto Pierre Editores // Lisboa // Sem data
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quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O ESTILO ELEGANTE E DESENVOLTO DO FRANCÊS XAVIER DE MAISTRE

QUEM?
Xavier de Maistre (1763/1792). Escritor francês, mais conhecido pelo seu famoso livro Viagem à roda do meu quarto, e sua continuação Expedição noturna à roda do meu quarto.
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COMENTÁRIO
Rápido como quem rouba, sem mais tró-ló-ló, vão aqui três citações magníficas deste grande escritor francês que é Xavier de Maistre, onde poderemos perceber claramente a marca indelével da pena elegante e desenvolta do artista, em fragmentos literários primorosos de seu clássico: Viagem à roda do meu quarto.
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CITAÇÕES
Sobre a amizade:
"Quem pode, de resto, gabar-se de viver sempre com as pessoas que estima? Semelhantes aos enxames de mosquitos que se vêem redemoinhar nos ares durante as noites de verão, os homens se encontram por acaso e por bem pouco tempo. E muito felizes são se, no seu movimento rápido, tão destros como os mosquitos, não quebram as cabeças de encontro uns aos outros!" (pág86)
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Sobre a fragilidade humana e a infinita vastidão cósmica:
"Espectador efêmero de um espetáculo eterno, o homem levanta um instante os olhos para o céu e fecha-os para sempre; mas, durante esse instante rápido que lhe é concedido, de todos os pontos do céu e desde os confins do universo, um raio consolador parte de cada mundo, e vem ferir-lhe os olhares para lhe anunciar que existe uma relação entre a imensidão e ele, e que ele está associado à eternidade." (pág102)
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Sobre um grande amor perdido:
"Ah! Aquele zéfiro, aquele olhar, aquele sorriso, está tão longe de mim como as aventuras de Ariadne; no fundo do meu coração não existe já senão saudades e vãs lembranças; triste mistura sobre a qual a minha vida sobrenada ainda, como um navio despedaçado pelo temporal flutua algum tempo sobre o mar agitado!..." (pág121)
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LIVRO: Viagem à roda do meu quarto // AUTOR: Xavier de Maistre // EDITORA: Estação Liberdade // São Paulo // 19898 // ILUSTRAÇÃO (rodapé): Gustave Doré

A PROSA CULTA, ELEGANTE, ESPIRITUOSA E BEM TEMPERADA DE BRILLAT SAVARIN


QUEM?
Jean Anthelme Brillat-Savarin (1755-1826). Advogado, político e escritor francês que ganhou fama como grastrônomo e epicurista. Autor do esplêndido e inesquecível livro A Fisiologia do Gosto.
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COMENTÁRIO
O chef sabe! Cozinhar é como fazer amor: o que pensamos na hora influencia diretamente na receita e no resultado que se quer alcançar com o processo em si. Sim! Porque para tanto, para cozinhar bem, há que se ter espírito, alma - não dá para ir fazendo a 'coisa' de qualquer jeito - a despeito, é claro, de sermos nós a sorver o 'caldo' que, de má vontade, prepararmos para nós mesmos. Sem falar do arrependimento que dá quando literalmente 'erramos a mão' e acabamos comendo uma porcaria qualquer. Para gozar satisfatoriamente dos prazeres da mesa e até da cama, exige-se calma, paciência, amor e dedicação do sujeito que se lança intrépido a tais desfrutes. Requer-se ainda entrega plena e integridade plena - digo - faz-se nescessário estar-se inteiro no lance, de corpo e alma; pois aí, meu caro e prezado Leitor(a), tudo rola legal, tranquilo e em harmonia. Do jeito que é bom! Sabe como é, não?! Do jeito que 'deve' ser.
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Neste sentido, de cozinha bem trabalhada e iguarias bem preparadas e degustadas, Brillat Savarin era um gênio, um mestre - dir-se-ia - inigualável, especialmente, se considerarmos a época em que viveu: 1755/1826, há quase três Séculos, na província francesa. Sua obra prima A Fisiologia do Gosto é um livro, simplesmente, impagável. Escrito belamente sob a forma de ensaios, com a prosa fina, elegante e bem temperada que este nobre autor francês soube imprimir em seu estilo, deparamo-nos com um volume - como direi - indispensável aos bons amantes da cozinha, da filosofia e da gastronomia requintada Mundo afora. Atualmente, tal título encontra-se esgotado, por um motivo que, confesso, desconheço - pois é notório o grande número de escrivinhamentos menores que são indiscriminadamente impressos, vendidos e lidos nos dias atuais - em contraposição à esmagadora qualidade filosófica, literária e gastronômica de Mestre Savarin. De todo o modo, vale tentar encontrá-lo nos sebos ou na Estante Virtual. E atenção! Se por acaso você achar um exemplar de A Fisiologia do Gosto, compre-o imediatamente, pois alguém sem cultura ou destraído se desfez desta jóia sem preço, sem saber direito o que estava fazendo. Leitura bem humorada e ilustrativa, que irá ajudar a compreender um pouco mais sobre o inspiradíssimo mundo da gastronomia.
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A citação escolhida vem da Meditação XX, com o título Da influência da dieta sobre o repouso, o sono e os sonhos, número 94, parágrafo primeiro.
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Da Redação.
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CITAÇÃO
"O homem mal alimetado não suporta por muito tempo a fadiga de um trabalho prolongado. Seu corpo fica coberto de suor, em breve as forças o abandonam e, para ele, o repouso não é outra coisa que a impossibilidade de trabalhar. Se se trata de um trabalho do espírito, as ideias nascem sem vigor e precisão; a reflexão se recusa a agir e o cérebro se cansa nesses vãos esforços, e dorme-se no campo de batalha." (pág203)
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LIVRO: "A FISIOLOGIA DO GOSTO" // AUTOR: BRILLAT SAVARIN // EDITORA: SALAMANDRA RIO DE JANEIRO, 1989 // PRIMEIRA EDIÇÃO: 1848
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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

CRENTES E NÃO CRENTES POR UMBERTO ECO

QUEM?
Umberto Eco é escritor e professor titular da cadeira de Semiótica e diretor da Escola Superior de Ciências Humanas na Universidade de Bolonha. Autor do clássico O Nome da Rosa.

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COMENTÁRIO
Crer ou não crer? Eis uma, em meio a muitas questões importantes e notáveis quando resolvemos prestar atenção à vida. Filosofar é um perigo! Não dá para desligar o olhar filosófico na hora de dormir, por exemplo, ou na hora de remunerar seu servo pessoal, pois a própria doutrina exige um grau de entrega e consciência tal que, na prática, impediria uma ação exploradora, e você acabaria convidando seu serviçal para morar em seus domínios e comungar de suas provisões, seus víveres - o que não seria, diga-se, nada mal. Ver, perguntar porque, pode ser complicado. Prescrutar a própria existência e o Mundo ao redor é para quem quer se meter em encrenca, em confusão - digo - quer ser rebelde, confrontar as hipocrisias postas e perpetuadas; ou seja, não é brincadeira. Tentar entender Deus então, nem se fala! Dá trabalho, é empreita longa e complexa - diria - para toda uma vida e, quase sempre, não é possível enxergar verdadeiros avanços numa só existência, pois as conquistas neste profundo terreno, neste campo metafísico, são lentas e graduais, e assim talvez filosofar seja algo unicamente para os convictos verdadeiros. Sim! Para aqueles e aquelas que desejam - a despeito do êxito ou do fracasso - fazer alguma coisa prática e objetiva para influenciar positivamente o Mundo, e esta balbúrdia que é estar vivo nos precipícios vertiginosos deste terceiro e veloz Milênio. Falei?!?!
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Da Redação.
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CITAÇÃO
"Não gostaria que se instaurasse uma oposição seca entre quem acredita em Deus transcendente e quem não crê em nenhum princípio supra-individual. Gostaria de recordar que era dedicado justamente à Ética, o grande livro de Spinoza que começa com uma definição de Deus como causa de si mesmo. Salvo que essa divindade spinozana, bem o sabemos, não é nem transcedente, nem pessoal: mesmo assim, também da visão de uma grande e única substância cósmica, na qual um dia seremos todos reabsorvidos, pode emergir uma visão da tolerância e da benevolência, exatamente porque é no equilíbrio e na harmonia da substância única que estamos todos interessados." (pág88)
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LIVRO: Em que crêem os que não crêem? // AUTORES: Umberto Eco e Carlo Maria Martini // EDITORA: Record // Rio de Janeiro // 2001

NAUFRÁGIOS DE AKIRA YOSHIMURA: UMA VIDA DE MISÉRIAS NO JAPÃO MEDIEVAL

QUEM?
Akira Yoshimura (1927/2006). Notável escritor japonês. Foi presidente da União Japonesa de Escritores. Autor do interessantíssimo livro Naufrágios.
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COMENTÁRIO
É admirável observarmos a coragem humana em lançar-se destemidamente ao mar à revelia das possibilidades. Nós, tão frágeis, e eles, os Oceanos, tão vastos e profundos, repletos de mistérios. Mesmo quando o fazemos em embarcações náuticas robustas, somos nada diante do mar infinito, e seu humores instáveis. Quando as forças da Natureza resolvem se revoltar e consternar, não há nada que se possa fazer de fato a bordo destas verdadeiras casquinhas de noz, exceto buscar abrigo e refúgio próximo à costa, se for possível, é claro, e, se não, resta apenas e tão somente tentar manter-se firme, e rezar para que a embarcação e as vidas nela contidas sejam poupadas por esta força avassaladora que é o mar revolto em forma de tormenta.
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Neste sentido, de aventura e coragem, de confrontação de forças diversas e desproporcionais a nós, os naufrágios são, sem sombra de dúvida, acontecimentos dramáticos em si, capazes de cativar nossa atenção e imaginação, justamente por suas características de drama e colapso, de tragédia e até mesmo de história, atraindo escritores e historiadores a pesquisá-los, o que traz à tona uma série de histórias fascinantes e fantásticas. Histórias que, muitas vezes, podem trazer piratas e conflitos bélicos, perda de vidas e bens, além da própria fatalidade em si que é o naufrágio de uma embarcação, que traz a inequívoca sensação de impotência, fracasso, perda e morte diante do imponderável.
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Se não bastasse tudo isso, Akira Yoshimura, neste cativante romance que é Naufrágios, adiciona à trama uma condição de miséria quase que absoluta, ambientando sua narrativa nos recôntidos de uma pequena aldeia isolada do Mundo, situada em um cabo (acidente geográfico) do Japão Medieval, e nos oferece ainda, como protagonista, um simpático menino de nove anos de idade: Isaku. Por lá, o evento de um naufrágio pode ter significados surpreendentes dos quais, neste momento, privarei o Leitor que pretende ler a obra - como direi - por motivos de não estragar a surpresa. Naufrágios de Akira Yoshimura: dica Escriba oriunda da fina literatura japonesa. Livro para ler em terra firme, é claro, e deixar a cabeça viajar em alto mar em tempos idos do passado. Sensacional!
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A seguir, citações da obra que, certamente, permitirão transparecer o delicado e profundo estilo deste notável autor japonês que faleceu em 2006.
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Da Redação.
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CITAÇÕES
Sobre a morte:
"Em uma aldeia que lutava contra a fome, um inválido era considerado morto. As pessoas lamentariam durante algum tempo, mas como acreditavam em reencarnação, aceitariam rapidamente a perda. A vida era dada às pessoas pelos deuses e, com a morte, o espírito partia para um lugar distante nos mares mas depois de algum tempo retornava à aldeia, para abrigar-se no útero de uma mulher e reencarnar numa criança. A morte era apenas um período de sono profundo antes do retorno do espírito; lamentações excessivas perturbavam o repouso da pessoa morta. As lápides dos túmulos ficavam de frente para o mar para guiar os espíritos na direção certa, quando chegasse o momento de regressar." (pág8)
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Sobre a chegada de um O-fune-sama (naufrágio):
"Isaku colocou a mão no peito. A chegada de O-fune-sama devia-se à intervenção divina, e Isaku queria oferecer uma oração de gratidão, do fundo do coração. O som das ondas quebrando ao pé do promotório parecia reverberar até o centro da terra. Antes que se desse conta, ele já estava dormindo." (pág92)
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LIVRO: Naufrágios // AUTOR: Akira Yoshimura // EDITORA: Best Seller // São Paulo // 2003

terça-feira, 6 de outubro de 2009

O GRANDE IRMÃO DE GEORGE ORWELL EM SUA ONIPRESENÇA ATERRORIZANTE E ESMAGADORA

QUEM?
Eric Arthur Blair (1903/1950). Talentoso jornalista, ensaísta e romancista britânico, que escreveu sob o pseudônimo George Orwell. Autor do clássico espetacular 1984.
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COMENTÁRIO
Tomo novamente da pena - digo - do teclado, do mouse, do monitor e da cpu (a máquina fala-escreve do livro), com satisfação para comentar e citar este brilhante e visionário escritor britânico. Ao lê-lo, recentemente, tive a desagradável sensação que aquilo tudo ali contido - toda a paranóia, a tortura, o controle, a teletela, a polícia do pensamento - tinham mais a ver comigo do que eu sequer podia imaginar, pois ao adentrar uma obra escrita há mais meio Século atrás, imaginei - por pura ingenuidade minha, confesso - encontrar um enredo menos complexo, além de uma estória menos tocante e contundente. Nada disso. O mais desconcertante e assustador de tudo - quero dizer - o mais impressionante e estranho para mim em 1984 foi perceber que, lendo a referida obra, tive a nítida percepção de que o talentoso autor em questão descrevia exatamente o mundo veloz, raso e desumano onde somos manipulados e controlados até em nossos próprios pensamentos, ou seja, o Mundo que nos cerca. Mestre Orwell quiz dizer em suas obras - e, eu repito aqui neste artigo, sem papas na língua: "- Humanidade, olho vivo com os direitos humanos, do trabalhador e do consumidor, e com a manipulação da vida." Atentemos! Pois o tempo urge! Populações globais: olhai com atenção as nanotecnologias, as bionanotecnologias, a clonagem, a liberdade civil, a democracia e o meio ambiente. Sob pena de sucumbirmos diante de nosso próprio e desmedido poder. Não é justo nem com as atuais nem com as futuras gerações.
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Como um desagradável mau presságio, 1984 de Orwell, com seu famigerado Grande Irmão, é um livro para nos ajudar a acordar. Sim! Para auxiliar-nos na árdua tarefa que é despertar e sair do torpor lânguido da subserviência viciada e degradante que é servi-lo - ao Grande Irmão - sem nem mesmo se dar conta disto, enquanto que a vida vai fugindo dia após dia, incessantemente. Trata-se de uma ficção grotesca e criativa que começa a tomar seus contornos mais que reais neste conturbado início de terceiro Milênio em que vivemos. Era veloz que, sem a devida articulação e participação social, promete degringolar-se por si própria, engolindo-nos em seu engolfo espasmódico, inconsciente, acéfalo e arrebatador.
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Haja vista que o livro resenhado aqui se encontra mais atual do que nunca, tendo ainda a capacidade de antever alguns 'lançes do jogo' capitalista e tecnocientífico, e seus inevitáveis desdobramentos socioambientais e culturais; e, justamente por isso, é indicação especial deste Escriba para uma leitura de qualidade garantida. Abaixo, algumas passagens geniais do mestre britânico da pena e da ficcção cacotópica.
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CITAÇÕES
Sobre o Grande Irmão:
"O que o Partido fizera de terrível era persuadir os seus membros de que meros impulsos, meras sensações, não tinham importância, ao mesmo tempo que lhes roubava todo o poder sobre o mundo material. Uma vez no jugo do Partido, o que a pessoa sentisse ou não, o que fizesse ou deixasse de fazer, literalmente não fazia diferença. Acontecesse o que acontecesse, o indivíduo sumia, nem ele nem seus atos eram jamais mencionados. Era banido do rio da história." (pág155)
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Sobre a guerra:
"O essencial da guerra é a destruição, não necessariamente de vidas humanas, mas dos produtos do trabalho humano. A guerra é um meio de despedaçar, ou de libertar na estratosfera, ou de afundar nas profundezas do mar, materiais que doutra forma teriam de ser usados para tornar as massas demasiado confortáveis e portanto, com o passar do tempo inteligentes." (pág179)
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Sobre as massas:
"As massas nunca se revoltarão espontaneamente, e nunca se revoltarão apenas por ser oprimidas. Com efeito, se não se lhes permite ter padrões de comparação nem ao menos se darão conta de que são oprimidas." (pág194)
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LIVRO: 1984 // AUTOR: George Orwell // EDITORA: Companhia Editora Nacional // 1949

A QUEDA DO ANJO ATRAVÉS DA PENA HÁBIL DE XAVIER DE MAISTRE

QUEM?
Xavier de Maistre (1763/1792). Escritor francês, mais conhecido pelo seu famoso livro Viagem à roda do meu quarto, e sua continuação Expedição noturna à roda do meu quarto.
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COMENTÁRIO
Maistre escrevia que é uma beleza! Deitava tinta ao papel com graça, desenvoltura, mas também fazia citações notáveis de peso, como é o caso da passagem escolhida, onde vemos o autor fazer menção à queda do anjo de Milton, e também à admirável coragem deste ente mitíco - braço direito de Deus, o próprio Criador do Universo - que viria a personificar o famigerado anjo demoníaco Satanás do mito cristão, tão temido e odiado pelos frágeis crédulos maniqueístas.
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Da Redação.
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CITAÇÃO
"Que vasto projeto! E que arrojo na sua execução!
Quando as espaçosas e triplas portas dos infernos se abriram de repente diante dele, e o profundo fosso do nada e da noite lhe apareceu aos pés em todo o seu horror, percorreu com olhar intrépido o sombrio império do caos; e, sem hesitar, abrindo as vastas asas, que teriam podido cobrir um exército inteiro, preciptou-se no abismo." (pág61)
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LIVRO: Viagem à roda do meu quarto // AUTOR: Xavier de Maistre // EDITORA: Estação Liberdade // São Paulo // 19898 // ILUSTRAÇÃO: Gustave Doré
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quinta-feira, 1 de outubro de 2009

1984 DE GEORGE ORWELL: UM CLÁSSICO DA CACOTOPIA FICCIONAL

QUEM?
Eric Arthur Blair (1903/1950). Talentoso jornalista, ensaísta e romancista britânico, que escreveu sob o pseudônimo George Orwell. Autor do clássico espetacular 1984.
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COMENTÁRIO
Quem leu sabe: 1984 é uma porrada! Pois fala com extrema precisão de um mundo - e, vejamos que o autor escreveu a referida obra em 1949, ou seja, longe de nossos dias, lá nos meados do século XX - onde, com uma lucidez impressionante, transporta-nos para a dramática e instigante trama de terror social, de desumanidades e de regime de controle absoluto e exacerbado até mesmo do pensamento dos indivíduos, dando origem - mesmo que a maioria das pessoas, que não leu o livro e usa a expressão, não saiba - ao termo Grande Irmão, muito em voga hoje em dia, neste Mundo atual e vulgar do terceiro Milênio, que é com efeito assolado pela nanotecnologia, pela bionanotecnologia e bioengenharia, pela clonagem, pela genômica e pelas demais formas que a humanidade - digo - o homem (homosuicidasapiens) descobriu e inventou para dominar e controlar, e, acima de tudo, tentar subjugar a Natureza que o gerou, além de corromper sua própria essência; se é que temos uma. Neste complexo contexto onde o Ser Humano brinca impunemente de Deus, as repercuções práticas de tal bobardeio tecnológico são desastrosas além de imprevisíveis, especialmente se for mais uma vez exercido - como sempre de fato é - tendo única e exclusivamente o lucro máximo a nortear as ações que dizem respeito e afetam à sociedade como um todo e de forma ampla, marcante e singular.
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Trata-se sem dúvida de uma obra fantástica, muito bem escrita, de extrema habilidade crítica, de uma veracidade contundente e desconcertante, que nos faz refletir, digamos assim, 'à força' sobre este mesmo Mundinho besta que vivemos hoje, isso tudo há mais de meio Século atrás na ocasião inspirada de sua redação, quando este visionário e brilhante escritor britânico previu - e que nós mesmos, através de nossas existências e de nossas escolhas sóciopolíticas e de consumo, ajudamos a construir e dar forma - toda esta loucura que está à nossa volta - digo - a cultura na qual estamos inseridos. No livro vemos pessoas manipuladas e indiscriminadamente controladas, sem tempo para si mesmas, servindo submissamente, vazias de consciência mas repletas de agonia voraz de uma imcompletude descomunal, a ponto de permitirem a terceirização de suas próprias vidas, de suas existências e, especialmente, manobradas segundo interesses escusos e egoístas que sempre privilegiam uma mesma minoria; enfim, isso nos lembra alguma coisa? É duro compreender que nós, a humanidade, coletivamente falando, possamos ser apenas uma gigantesca e formidável massa global de consumo inconsciente de si mesma, que se digladia e se mata trabalhando e doando a própria vida para mover a inominável e cruel máquina capitalista que está em toda parte; ou seja, o famigerado, o dito, o repetido e cultuado Grande Irmão. É exatamente disso que fala 1984 e não se engane: o autor, mesmo que privado de uma visão real do futuro que estaria por vir diante de si, soube trazer à tona notáveis fantasmas que, com toda certeza, de fato assombram os nossos dias atuais.
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1984: Dica da pesadíssima para quem não quer errar na escolha de um bom livro. Obra para ler e pirar - digo - refletir e agir. Assim, sem medo de me equivocar, indico honrosamente 1984, obra esta muito interessnate, e que me foi indicada por uma pessoa especial e querida, amada e admirada, a quem dedico estas humildes linhas virtuais jogadas ao léu na grande rede neste momento lúdico, perfilando-a junto a grandes obras do gênero cacotópico futurista de ficção, como o incrível Admirável Mundo Novo, de Huxley, e o THX 1138 (filme), de Copolla.
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Deste modo, segue aqui, apenas a título de petisco literário, um trecho bombástico escolhido especialmente a dedo por este velho Escriba pós-tudo da veloz Era digital.
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Da Redação.
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CITAÇÃO
"Era possível, sem dúvida, imaginar uma sociedade em que a riqueza, no sentido de posse pessoal e de bens e luxos, fosse igualmente distribuída, ficando o poder nas mãos de uma pequena casta privilegiada. Mas na prática tal sociedade não poderia ser estável. Pois se o lazer e a segurança fossem por todos fruídos, a grande massa de seres humanos normalmente estupidificada pela miséria aprenderia a ler e aprenderia a pensar por si; e uma vez que isso acotecesse, mais cedo ou mais tarde veria que não tinha função a minoria privilegiada, e acabaria com ela. De uma maneira permanente, uma sociedade hierárquica só é possível na base da pobreza e da ignorância" (pág178)
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LIVRO: 1984 // AUTOR: George Orwell // EDITORA: Companhia Editora Nacional // 1949

sábado, 19 de setembro de 2009

A PLENA FELICIDADE DE UM CÃO POR XAVIER DE MAISTRE E QUÁCULA

QUEM?
Xavier de Maistre (1763/1792). Escritor francês, mais conhecido pelo seu famoso livro Viagem à roda do meu quarto, e sua continuação Expedição noturna à roda do meu quarto.
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CITAÇÃO
"E, visto que tal é a natureza dos homens que a felicidade parece não ser feita para eles, visto que o amigo ofende o seu amigo sem querer, e os próprios amantes não podem viver sem questões e arrufos; visto enfim que, desde de Licurgo até nossos dias, todos os legisladores têm soçobrado nos seus esforços para tornar felizes os homens, terei ao menos a consolação de ter feito a felicidade de um cão." (pág89)
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COMENTÁRIO
Esta 'pessoa' branca e peluda que aparece neste instantâneo eletrônico, este cara-de-pau, este picareta oportunista, contumaz dormitador de biblioteca e adorador compulsivo de passeios na praia, este quadrúpede incorrígível e sem vergonha é o Jojoba. Sim! O fiel cão deste humilde Escribista pós-tudo da decadente e rasa era digital. Filho do saudoso Sansão, sem trocadilho, um grande cão! Figura canina singular de alma nobre com a qual tive a sorte de também conviver por aproximadamente uma década. Trata-se - na foto - de um malandro, sem dúvida, e 'de marca maior', mas, ainda assim, um grande coração humano com uma alma 'do tamanho de um bonde'. É! É isso, mesmo caríssimo Leitor(a)! Na minha casa, cachorro é gente. Ser humano Igual. Grande sabedoria bípede a minha, modéstia à parte. E foi só depois de viver um bocado, conviver e aprender com eles, estes simpáticos seres que são os cães (e os gatos) domésticos, que pude, então, perceber o quão sensíveis são estes caras que - ao contrário do que imaginamos antropocentristicamente nós - escolheram-nos para acompanhá-los nesta impressionante aventura que é singrar os dias e as idades do homem e da Terra sem nunca esmorecer. Eles estão sempre firmes ao nosso lado, já reparou? Um convívio milenar, harmonioso e, especialmente, simbiótico; vindo às vias de fato numa espécie de acordo mútuo e silencioso pactuado lá atrás, no alvorecer das Eras. Acordo este ancestral. E é justamente desde o início dos tempos que eles, os cães, acompanham-nos gentilmente Mundo afora em nossa aventura nestas paragens terrestres.
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Dignos de nosso amor, atenção, afeto, carinho, cuidado e respeito eles merecem tudo isto e muito mais, pois são eles sempre limpos de alma e coração nesta relação muitas vezes injusta e desigual, são-nos além disso fiéis até a morte - se assim puderem - e não guardam mágoas nem rancores de nossas desumanidades animalescas. Mesmo que não intencionais. Somente estas últimas qualidades já seriam bastante dignas de toda a nossa admiração, mas se não bastasse tudo isso, eles nos amam de verdade. E amam de uma maneira que poucas vezes somos em vida amados: inteiros, assim como somos, imperfeitos. Deste modo, e, segundo meu caráter e minha sólida inclinação pessoal, trato-os, a todos - os bichos - com o mesmo ou até com mais respeito do que eu trataria um semelhante meu humano, pois estes seres sensíveis nos são muito mais caros do que sequer damos conta de imaginar.
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Numa só sentença: na minha casa cachorro é gente.
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E, parafraseando Maistre, digam os outros o que quiserem!
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LIVRO: Viagem à roda do meu quarto // AUTOR: Xavier de Maistre // EDITORA: Estação Liberdade // São Paulo // 1989 // FOTO: Juliano Thuran
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sexta-feira, 18 de setembro de 2009

EM QUE CRÊEM OS QUE NÃO CRÊEM? POR ECO, MARTINI E COMPANHIA LIMITADA

QUEM?
Dom Carlos Maria Martini (1927). É cardeal italiano, arcebispo emérito de Milão e escritor.
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COMENTÁRIO
A fala mansa de Martini - antagonizando premeditadamente com o Eco provocador, além de outros entendidos participantes - deu origem a uma obra muito agradável do ponto de vista ético e existencialista do significa sermos humanos, que é o livro Em que crêem os que não crêem?, pois trata de coisas que com certeza atormentam todos nós, independentemente de nossa crença religiosa. Estes conhecedores discutem copiosa e animadamente a existência ou não de um Deus único e pessoal, e o dúbio discernimento do fator que nos definiria irrefutavelmente como seres humanos. Entre muitos outros assuntos igualmente polêmicos, tudo isso se dá - vejamos nós - num universo de calma e reflexão plena, em um ambiente democrático e filosófico, e, felizmente, salvaguardando as integridades físicas, morais e intelectuais de seus protagonistas; ou seja, um avanço e tanto - digo - para a humanidade. Não há como esquecer as tragédias do passado praticados pela igreja católica em nome Dele, o Criador; mas, reconheçamos, os tempos são outros e com eles mudaram também as conjunturas. Hoje, falam de igual para igual expoentes totalmente antagônicos e diversos, num clima cordato de sensibilidade e tolerância para com o diferente, o que seria simplesmente inimaginável em outras épocas não muito distantes da nossa.
Na citação escolhida, vemos Eco em um bom momento do livro, quando trata inflamado da questão do reconhecimento do outro - segundo ele, e eu concordo - como premissa fundamental à nossa sobrevivência.
Em que crêem os que não crêem? Para ler e pensar.
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CITAÇÃO
"Nós (assim como não conseguimos viver sem comer ou sem dormir) não conseguimos compreender quem somos sem o olhar e sem a resposta do outro. Mesmo quem mata, estupra, rouba, espanca o faz em momentos excepcionais, e pelo resto da vida lá estará a mendigar aprovação, amor, respeito, elogios de seus semelhantes. E mesmo àqueles a quem humilha ele pede o reconhecimento do medo e da submissão. Na falta desse reconhecimento, o recém-nascido abandonado na floresta não se humaniza (ou, como Tarzan, busca o outro a qualquer custo no rosto de uma macaca), e poderíamos morrer ou enlouquecer se vivêssemos em uma comunidade na qual, sistematicamente, todos tivessem decidido não nos olhar jamais ou comportar-se como se não existíssimos." (pág83)
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LIVRO: Em que crêem os que não crêem? // AUTORES: Umberto Eco e Carlo Maria Martini // EDITORA: Record // Rio de Janeiro // 2001

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

VIAJANDO À RODA DO PRÓPRIO QUARTO COM XAVIER MAISTRE

QUEM?
Xavier de Maistre (1763/1792). Escritor francês, mais conhecido pelo seu famoso livro Viagem à roda do meu quarto, e sua continuação Expedição noturna à roda do meu quarto.
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COMENTÁRIO
Xavier de Maistre é hilário. Com a pena em punho então, vira um monstro. Consegue a proeza de escrever do mesmo modo como pensa, e sua cabeça - diga-se - vai às alturas. Envolto em um estilo elegante e adornado por sua indiscutível erudição, o autor nos faz embarcar em sua magnífica estória às voltas de sua imaginação e criatividade, onde vai coletando e colando uma série de fragmentos de sua própria rotina diária, recheando-os com sua eloquência vivaz e, acima de tudo, com seu humor fino, crítico, irônico - típico de sua época - que nos faz deslizar por sua prosa lírica e agradável, assim como uma folha flutua tranquila num manso regato. Vale notar que cheguei a Maistre através de minha pesquisa compulsiva em sebos, aliada, é claro, à descolada dica de nosso bibliófilo maior, José Mindlin, que recomenda Maistre em seu último lançamento, No Mundo dos Livros, que acabo de ler. Na impossibilidade tácita de citar tudo desta interessantíssima obra, escolho aqui, a dedo, algumas passagens onde podemos notar claramente a genialidade deste singular autor francês. A ilustração do post é de autoria do genial Gustavo Doré, mestre incontestável da pena, todavia da pena plástica e visual.
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CITAÇÃO
Sobre o amor ao observar um porta-retratos:
"Eu existi por um instante no passado, e remocei contra a ordem da natureza. - Sim, ei-la, esta mulher adorada, é ela mesma, eu a vejo sorrindo; ela vai falar para dizer que me ama. - Que olhar! Vem, que eu te aperto contra o meu coração, alma da minha vida, minha segunda existência! Vem participar de minha embriaguéz e de minha felicidade! - Esse momento foi breve, mas foi arrebatador: a fria razão recuperou logo seu império, e , num abrir e fechar de olhos, envelheci um ano inteiro - meu coração se tornou frio, gelado, e me encontrei nivelado com a multidão dos indiferentes que pesam sobre o globo." (pág20)
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Sobre a relação do autor com sua cadelinha:
"E porque haveria eu de recusar minha afeição a esse ser carinhoso que nunca deixou de me amar desde a época em que principiamos a viver juntos? A minha memória não seria suficiente para fazer a enumeração das pessoas que se interessaram por mim e que me esqueceram. Tive alguns amigos, várias amantes, uma quantidade de ligações, mais ainda conhecimentos - e agora não sou nada para toda essa gente, que esqueceu até o meu nome. Quantos protestos, quantos oferecimentos de serviços! Eu podia contar com sua fortuna, com uma amizade eterna e sem reserva! A minha querida Rosina, que nunca me ofereceu serviços, presta-me o maior serviço que se possa prestar à humanidade: ela me amava outrora, e me ama ainda hoje. Por isso, não receio dizê-lo, eu a amo com uma porção do mesmo sentimento que consagro aos meus amigos. Digam o que quiserem." (pág29)
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Sobre a fragilidade de tudo:
"A destruição insensível dos seres e todas as desgraças da humanidade nada contam no grande todo. - A morte de um homem sensível que expira no meio dos seus amigos desolados e a de uma borboleta que o ar frio da manhã faz morrer no cálice de uma flor são duas épocas semelhantes no curso da natureza. O homem não é mais que um fantasma, uma sombra, um vapor que se dissipa nos ares..." (pág34)
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LIVRO: Viagem à roda do meu quarto // AUTOR: Xavier de Maistre // EDITORA: Estação Liberdade // São Paulo // 1989

UM EMBATE DE TITÃS: EM QUE CRÊEM OS QUE NÃO CRÊEM? POR UMBERTO ECO E CARLO MARIA MARTINI

QUEM?
Umberto Eco é escritor e professor titular da cadeira de Semiótica e diretor da Escola Superior de Ciências Humanas na Universidade de Bolonha. Autor do clássico O Nome da Rosa.
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COMENTÁRIO
Há que se crer em algo para se seguir adiante. Sim! Pois sem fé nada há. As crenças variam mas ninguém pode preteri-las sem crer em absolutamente nada, pois o próprio fato de se refletir sobre o assunto já implica numa crença implícita e inseparável na própria experiência e observação intelectual. Todos crêem em algo, mesmo que este algo seja justamente acreditar piamente que não acredita em absolutamente nada. Todavia é o caráter de debate livre e sem traumas que encanta neste belo livro coletânea de artigos; onde vemos jovialmente que a tolerância e a aceitação do outro e do diferente passa a ser um campo fértil no qual se move intencionalmente a razão humana em busca de sua ética e de seus valores. Ao nos debruçarmos por sobre temas mais que espinhosos, guiados por Eco e Martini, deparamo-nos com questões complexas - como: a existência ou não de um Deus único e pessoal; o direito das mulheres à prática do aborto; a proibição do exercício do sacerdócio para as mesmas; e a dual fé cristã amparada nos opostos exclusores, rasos e diabolizantes bem e mal - e percebemos um pouco da amplidão vertiginosa que é tentar sondar os mistérios que nos cerca a vida, e que sem dúvida adornam nossa existência. Enfim, trata-se de um livro muito interessante. Para ler e refletir. Na citação escolhida - dentro do democrático e participativo debate promovido pela revista italiana Liberal, que deu orígem ao livro e que inclui Eco, Martini e outros teóricos -, vemos um trecho do texto de Eugenio Scalfari que é jornalista e que também participou da referida obra.
Da Redação.
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CITAÇÃO
"Qual é, portanto, o fundamento da moral no qual todos, crentes ou não-crentes, podemos nos reconhecer? Pessoalmente sustento que ele reside na pertinência biológica dos homens a uma espécie. Sustento que na pessoa se defrontam e convivem dois instintos essenciais: o da sobrevivência do indivíduo [ontogênico] e o da sobrevivêncioa da espécie [filogênico]. O primeiro dá lugar ao egoísmo [narcisismo], necessário e positivo desde que não supere um limite além do qual se torna devastador para a comunidade [o Outro]; o segundo produz o sentimento de moralidade, isto é, a necessidade de responder pelo sofrimento do outro e pelo bem comum. Cada indivíduo elabora estes dois instintos profundos e biológicos com a própria inteligência e a própria mente. As normas da moral mudam e devem mudar, pois muda a realidade à qual são aplicadas. " (pág116)
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LIVRO: Em que crêem os que não crêem? // AUTORES: Umberto Eco e Carlo Maria Martini // EDITORA: Record // Rio de Janeiro // 2001
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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O NOTÁVEL CABO FRIO E SUAS FANTÁSTICAS HISTÓRIAS DE NAUFRÁGIOS

QUEM?
Elísio Gomes Filho é mergulhador, escritor e historiador, tendo três livros publicados sobre histórias de naufrágios. É o autor do espetacular Histórias de Célebres Naufrágios do Cabo Frio.
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COMENTÁRIO
Sem dúvida, após ler o brilhante e competente livro do historiador Elísio Gomes Filho, Histórias de Célebres Naufrágios do Cabo Frio, percebemos claramente a importância deste acidente geográfico que, como ele mesmo nos conta, sempre fez parte das primeiras cartas naúticas e, até hoje, representa um marco geográfico importante para a navegação no Atlântico, e para todas as embarcações que circulam na região desde os tempos da descoberta do continente. Por sua monumentalidade notória, serve de orientação; mas, de igual forma, especialmente com tempo ruim, figura também como grande motivo de temor para os capitães que por ali passaram através dos tempos. E não é à toa. Toda a região é considerada como tendo um altíssimo índice de incidência de naufrágios, além, é claro, da Massambaba - espetacular praia longelínea de areias brancas e finas com a extensão de quarenta e cinco quilômetros de águas translúcidas e azuis ao Sul do cabo, apelidada de cemitério de navios. Os motivos disto, constata Elísio em sua cuidadosa pesquisa, são uma série de fatores diversos que, em conjunto ou em separadamente, atuam sobremaneira no bom fluir da navegação segura das embarcações, alterando dramaticamente o destino das mesmas; a saber: mau tempo, correntes oceânicas singulares, ventos arrebatadores do Sudoeste, interferências eletromagnéticas nos instrumentos de navegação, imprecisão nos cálculos e a própria imponência do acidente geográfico em si que, naturalmente, é um obstáculo significativo a ser transposto pelos navegantes.
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Então, por tudo isso, o Cabo Frio retoma com justiça sua importância histórica e geográfica no cenário nacional através da pena detalhista e competente deste notável historiador fluminense. Livro bem escrito, abrangente sócio-culturalmente, importante para a região, para a nossa memória, para a nossa identidade e para a história deste imenso continente de multidiversidade natural riquíssima chamado Brasil.
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Histórias de Célebres Naufrágios do Cabo Frio, do historiador Elísio Gomes Filho, é, por puro mérito, indicação deste Escriba para uma leitura emocionante, cultural e histórica de altíssima qualidade. Atualmente esgotado, pode ser consultado na Biblioteca Pública de Cabo Frio ou, com sorte, adquirido em sebos ou na Estante Virtual; vale a pena procurar e ler!
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CITAÇÃO
"O ângulo de abatimento dos navios ocorria em determinadas horas, correspondendo de acordo com os ângulos a um caimento em milhas até a posição de encalhe nos bancos de areia da praia ou do choque com os rochedos da Ilha do Cabo Frio ou o Promotório do Atalaia. Em suma, destacando-se as navegações tecnicamente mal-orientadas, era um conjunto de forças (corrente marinha e vento) que levava os vapores a abater sobre a costa, apesar do resguardo dado ao rumo." (pág182)
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LIVRO: Histórias de Célebres Naufrágios do Cabo Frio // AUTOR: Elísio Gomes Filho // EDITORA: Texto & Arte // Rio de Janeiro // 1993

O PARAÍSO PERDIDO: A QUEDA DE UM PODEROSO ALIADO POR JOHN MILTON

QUEM?
John Milton (1608/1674). Notável escritor inglês referenciado como um dos principais representates do classicismo de seu país. Autor do célebre livro O Paraíso Perdido (1667) obra prima ditada pelo autor na prisão quando estava cego.
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COMENTÁRIO
Quando li O Paraíso Perdido de Milton fiquei bastante impressionado. Estavam materializados ali, diante de mim, naquelas páginas, todo o mito católico da criação do Mundo, escrito de maneira energética e brilhante, em forma de epopeia; isso sem falar, é claro, das belíssimas ilustrações de bico de pena do mestre Gustavo Doré que intercalam a referida obra, retratando com grandiosidade e competência as imagens mais marcantes do impressionante drama cristão. Ao relê-lo, vejo que não me enganei na primeira vez, quando soube reconhecer inequivocamente o talento deste grande escritor britânico. Livro para ler, re-ler, e re-ler a cada dez anos, no máximo, sem medo de errar.
Da Redação.
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CITAÇÃO
"Então Satã, que pela vez primeira soube o que é dor, torceu-se, recurvou-se." (pág187TomoI)
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LIVRO: O Paraíso Perdido // AUTOR: John Milton // EDITORA: Edigraf // São Paulo // Sem data


domingo, 13 de setembro de 2009

O BRILHANTE HISTORIADOR ELÍSIO GOMES FILHO E SUAS FASCINANTES HISTÓRIAS DO CABO FRIO

QUEM?
Elísio Gomes Filho é mergulhador, escritor e historiador, tendo três livros publicados sobre histórias de naufrágios. É o responsável pelo site www.nomar.com.br. Foi o fundador dos Museus Históricos Marítimos do Cabo Frio (1987) e de Armação dos Búzios (2001), cujo acervo foi doado ao Museu Oceanográfico de Arraial do Cabo em maio de 2002. Uma de suas pesquisas veio elucidar a causa do desaparecimento do barco de pesca “Changri-lá”, o qual foi atacado pelo submarino nazista U-199 em julho de 1943, o que resultou na morte de 10 pescadores e cujos nomes foram incluídos no Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial (Aterro do Flamengo, RJ). É o autor do espetacular livro Histórias de Célebres Naufrágios do Cabo Frio.
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COMENTÁRIO
Ser historiador, definitivamente, não é fácil. Sim! Porque num país de semi-analfabetos, onde a esmagadora maioria da população não sabe sequer ler, e quando sabe tecnicamente fazê-lo - segundo pesquisas - não entende ou não consegue absorver a mensagem que o texto lido traz, nem muito menos, quem dera, refletir e ter uma capacidade crítica sobre o tema; ou seja, uma lástima. Todavia, para a nossa sorte e das futuras gerações, alguns pesquisadores entusiastas seguem firme em suas atividades, como é o caso deste autor, cujo trabalho se faz importante por si só devido à sua pertinência histórica indiscutível. E é exatamente isso que se deu com a obra citada aqui. Baseado em sua experiência e conhecimento profundo do assunto, o historiador Elísio Gomes Filho consegue transformar aspectos e acontecimentos importantes do passado numa belíssima e empolgante obra de aventura que, além de nos tornar mais ilustrados sobre a peculiar história do Cabo Frio e do Brasil, ao contar seus relatos verídicos, prende-nos à narrativa graças a seu estilo elegante e competente. Na citação escolhida, vemos o autor e seu olhar sensível para com as coisas do mar descrever com sabedoria uma nuance pitoresca e notável das naus, fazendo referência à 'humanização' das embarcações; sensacional!
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CITAÇÃO
"Um costume curioso que merece registro é o da 'humanização' dos navios. Muita gente, no passado e no presente, a eles atribuem personalidade, o que se deve em parte à profunda e tradicional familiaridade do homem com o mar. Tudo o que participa da vida do ambiente marítimo - aliás, diga-se de passagem, um meio singular por excelência - faz nascer no homem um sentimento mais ou menos vago de fraternidade. Cabe dizer que um navio é um ser vivo, pois os acontecimentos por que passa, ele os vive, e tais vivências vão talhando sua 'personalidade'. (pág112)
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LIVRO: Histórias de Célebres Naufrágios do Cabo Frio // AUTOR: Elísio Gomes Filho // EDITORA: Texto & Arte // Rio de Janeiro // 1993

sábado, 22 de agosto de 2009

A BIBLIOFILIA DE JOSÉ MINDLIN

QUEM?
José Ephim Mindlin (1914). Advogado, empresário, bibliófilo e escritor brasileiro. Autor de No Mundo dos Livros, obra interessante onde relata um pouco de sua história, bem como das leituras que fez em seus noventa e cinco anos de amor aos livros.
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CITAÇÃO
"O mundo dos bibliófilos é de grande interesse. O amor aos livros aproxima as pessoas e forma sólidas amizades, o que não impede, no entanto, rivalidades também sólidas mas amistosas quando dois bibliófilos se deparam com obras de interesse comum. O mundo da bibliofilia, no entanto, é uma fauna em que geralmente existe respeito mútuo, e os conflitos se resolvem de forma civilizada e cortês" (pág59)
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COMENTÁRIO
José Mindlin é uma figuraça! Amante contumaz de livros e edições especiais, leitor ávido desde a infância, reuniu uma biblioteca tão impressionante que foi gentilmente doada por ele para a USP que, por sua vez, está construindo um prédio especialmente para abrigá-la. No Mundo dos Livros é uma obra sensível, cheia de dicas boas para leitores iniciantes, e também para os veteranos, pois o autor e bibliófilo resenha e indica livros e autores da literatura imortal de todos os tempos. Livro leve, de um homem culto, letrado, que sabe que os livros podem mudar a vida das pessoas, tornando-se uma paixão - diria eu - das mais sadias que há. Dica especial que pode ser achada em qualquer livraria, pois trata-se de um lançamento, muito bom, diga-se de passagem.
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LIVRO: No Mundo dos Livros // AUTOR: José Mindlin // EDITORA: Agir // Rio de Janeiro // 2009

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

A ESCLARECEDORA HISTÓRIA DA RIQUEZA DO HOMEM PELA PENA REBELDE E CRÍTICA LEO HUBERMAN

QUEM?
Leo Huberman (1903/1968). Notável jornalista e escritor norte-americano. Sua obra mais importante é História da Riqueza do Homem (1936). Foi o co-fundador da revista Monthly Review.
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COMENTÁRIO
Ler Leo Huberman em A História da Riqueza do Homem é elucidar uma série de acontecimentos importantes através dos tempos da humanidade que fizeram o mundo ser assim como é: desigual. Lendo esta obra interessantíssima de carater histórico cultural inestimáveis, temos uma visão ampla e clara de como a riqueza mundial se acumulou nas mãos alguns poucos homens, e de como estes indivíduos sempre se tornaram mais e mais ricos devido a suas posições sempre privilegiadas, dando origem a este monstro desproporcional que é a concentração de renda e suas nefastas consequências, que espalham miséria e indignidade para as demais camadas da população mundo a fora, constituindo e perpetuando este profundo e vertiginoso abismo que separa ricos e miseráveis. Esta inominável minoria de seres que tudo podem e possuem, em contraste agudo com esta massa de pessoas que nada tem. Em sua narrativa fluida e clara, inteligente, crítica e competente, este grande autor rebelde da língua norte-americana nos evidencia as armações, os mecanismos, enfim, as táticas excludentes que estes gananciosos capitalistas utilizaram para construir seus impérios. Na foto acima, onde vemos o alvo semblante deste notório agitador e crítico social norte-americano, deparamo-nos com um momento importante da história contemporânea, onde este depõe na famigerada comissão do Senado daquele país, comissão esta encabeçada pelo crápula, paranóico e cretino Senador MacCarthy que, em sua ânsia de perseguição, impôs um clima de medo e paranóia que assolou a America do Norte nos anos 1950, atrapalhando a vida de muitos cidadãos daquele país, quando por desventura caíam em suspeita e eram chamados a depor em sua famigerada Comissão. Algo, guardadas às devidas proporções, comparável a Santíssima Inquisição que perseguia, torturava e matava cruelmente - segundo seus voláteis interesses - as vítimas da vez, através de práticas repugnantes e brutais. Uma espécie de Diabo ou Mau muito convinientes, muito longe dos desígnios e propósitos divinos do Criador de tudo que existe.
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Nas citações escolhidas a dedo dentro desta interessantíssima obra de história e crítica social, vemos a perspicácia deste autor em traçar um panorama da evolução da riqueza, descrevendo com clareza os métodos e os acontecimentos políticos e sócio-culturais que levaram a humanidade a calcar sua vida no consumo, alimentando com seu suor e com seu sangue a esta imensa avassaladora máquina capitalista que hoje nos devora a todos - inclusive ao próprio planeta esgotado - em suas infinitas ganâncias por mais lucro.
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CITAÇÕES
Sobre o valor da vida humana:
"Na verdade, no século XI, um camponês francês estava avaliado em 38 soldos, enquanto um cavalo valia 100 soldos!" (pág17)
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Sobre a eterna e viciada relação de senhores e servos:
"Todos os trabalhadores dedicados ao mesmo ofício numa determinada cidade formavam uma associação chamada corporação artesanal. Hoje em dia, quando um político ou industrial faz um discurso sobre a "associação do Capital e Trabalho" , o trabalhador experimentado pode, com justiça, dar de ombros e exclamar: "Isso não existe!" Não pode acreditar nessa afirmação, pois aprendeu pela experiência que há um abismo entre o homem que paga e o que é pago." (pág64)
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Sobre o boicote imposto ao povo pelos poderosos da vez, expulsando-os das terras:
"O movimento de fechamento das terras provocou muito sofrimento, mas ampliou as possibilidades de melhorar a agricultura. E quando a indústria capitalista teve necessidade de trabalhadores, encontrou parte da mão-de-obra entre esses infelizes desprovidos de terra, que haviam passado a ter apenas a sua capacidade de trabalho para ganhar a vida." (pág118)

Sobre o desaparecimento dos artesãos independentes da Idade Média:
"Do século XVI ao XVIII os artesãos independentes da Idade Média tendem a desaparecer, e em seu lugar sugem os assalariados, que cada vez dependem mais do capitalista-mercador-intermediário-empreendedor." (pág125)

Sobre a política mercantilista e seus nefastos efeitos nas sociedades:
"O fruto da política mercantilista é a guerra. A luta pelos mercados, pelas colônias - tudo isso mergulhou as nações rivais numa guerra após a outra." (pág142)
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Sobre a burguesia e a revolução:
"Foi essa classe média, a burguesia, que provocou a Revolução Francesa, e que mais lucrou com ela. A burguesia provocou a Revolução porque tinha de fazê-lo. Se não derrubasse seus opressores, teria sido por eles esmagada. Estava na mesma situação de um pinto dentro de um ovo que chega a um tamanho em que tem de romper a casca ou morrer. (pág159)

"A burguesia forneceu a liderança, enquanto os outros grupos realmente lutaram. E foi a burguesia quem mais lucrou.
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Sobre a morte do feudalismo:
"Quando o fumo da batalha se dissipou, viu-se que a burguesia conquistara o direito de comprar e vender o que lhe agradasse, como, quando, e onde quisesse. O feudalismo estava morto." (pág163)
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Sobre as primeiras acumulações de riqueza da história e seus métodos:
"A descoberta de ouro e prata na América, a extirpação, escravização esepultamento, nas minas, da população nativa, o início da conquista e saque das Índias Orientais, a transformação da África num campo para a caça comercial aos negros, assinalaram a aurora da produção capitalista. Esses antecedentes idílicos constituem o principal impulso da acumulação primitiva." (pág169)
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Sobre o comércio de seres humanos como forma de enriquecer:
"O comércio trouxe a riqueza à metrópole. Fez as primeiras fortunas dos comerciantes europeus. Particularmente interessante como fonte de acumulação de capital foi o comércio de seres humanos, os negros nativos da África."
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LIVRO: A História da Riqueza do Homem // AUTOR: Leo Huberman // EDITORA: Zahar // rIO DE jANEIRO // 1974 // 10a edição