domingo, 28 de dezembro de 2008

RITUAL ANTROPOFÁGICO


CONTEXTO
O ritual de comer o seu inimigo tinha a ver com glória e poder. Estes povos acreditavam que ao comer um inimigo poderoso e valente, por exemplo, tais virtudes se incorporariam a eles. Tais hábitos eram comuns entre as tribos que habitavam este belíssimo continente.

CITAÇÃO
"Sabe-se que a morte ritualizada e a deglutição eucarística dos cativos repersentavam o ponto culminante de uma cerimônia cujo sacramento maior, e objetivo quase único, era a vingança. (...) A vítima ideal era aquela que tivesse sido capturada no campo de batalha. Seu destino passava a pertencer então àquele que primeiro o houvesse tocado durante a luta. Triunfalmente conduzido à aldeia do inimigo, o prisioneiro era insultado e maltratado por mulheres e crianças. Assim que entrava na taba, tinha que gritar: "Eu, vossa comida, cheguei". Após essas agressões iniciais, porém, era bem tratado e recebia como companheira uma irmã ou filha de seu captor e podia andar livremente pelo território tribal - fugir era uma ignomínia impensável. O cativo passava a usar uma corda presa ao pescoço: era o calendário que indicava o dia de sua execução - que podia ser dali a muitas luas (e até anos). Quando a data fatídica se aproximava, os guerreiros preparavam ritualmente a clava com a qual a vítima seria abatida. A seguir, começava o ritual, que se prolongava por quase uma semana e do qual participava toda a tribo, das mulheres aos guerreiros, dos mais velhos aos recém-nascidos.
Na véspera da execução, ao amanhecer, o prisioneiro era banhado e depilado. Depois, deixavam-no 'fugir', apenas para recapturá-lo em seguida. Mais tarde, o corpo da vítima era pintado de preto, untado de mel e recoberto por plumas e cascas de ovos. Ao pôr-do-sol, iniciava-se uma grande beberagem de cauim - um fermento, ou 'vinho', de mandioca. No dia seguinte, pela manhã, o carrasco avançava pelo pátio, dançando e revirando os olhos. Parava em frente ao prisioneiro e perguntava: "Não pertences tu à nação (tal ou qual), nossa inimiga? Não mataste e devoraste, tu mesmo, nossos parentes?" Altiva, a vítima respondia: "Sim, sou muito valente, matei e devorei muitos." Replicava então o executor: "Agora estás em nosso poder; logo serás morto por mim e devorado por todos." Para a vítima aquele era um momento glorioso, já que os índios brasileiros consideravam o estômago do inimigo a sepultura ideal. Os ossos do morto eram preservados: o crânio, fincado em uma estaca, ficava exposto em frente à casa do vencedor; os dentes eram usados como colar e as tíbias transformavam-se em flautas ou apitos." (pág. 237)

LIVRO: A COROA, A CRUZ E A ESPADA - Lei, ordem e corrupção no Brasil Colônia // AUTOR: Eduardo Bueno // EDITORA: Objetiva, Rio de Janeiro (2006)

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