sexta-feira, 9 de julho de 2010

ANTROPOLOGIA: O INDUBTÁVEL VALOR DOS CÃES NAS CULTURAS HUMANAS

COMENTÁRIO
Os cães têm, dentre muitas outras, a qualidade simples e fundamental do perdão. Eles não nos guardam rancor nem ressentimento e sabem sem dúvida nos perdoar por todas as nossas desumanidades. Mesmo que alguns desses sujeitos mais sortudos sejam mimados, acariciados, tratados com dignidade e respeito, com admiração e verdadeiramente com amor por alguns donos menos desumanos; outros, por sua vez, são destratados como seres inferiores e podem de fato ser trancados, acorrentados, mal-tratados e até mesmo torturados e mortos por nós, animais ditos superiores; e, ainda assim, independentemente de tudo, guardam-nos afeição e matêm-se firmes ali, do nosso lado, faça chuva ou faça sol. São seres vibrantes, valentes, briosos, e podem ser companheiros de uma vida toda - digo deles - podendo viver mais de uma década ao lado de seu dono, fielmente, sem nunca fraquejar ou duvidar de sua devoção e admiração pelo ser que escolheu como companheiro de jornada. Alguns esotéricos afirmam, e eu concordo com eles: Os cães nos escolheram para companheiros no decorrer e desenrolar da história de ambas as espécies, e não o contrário.
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A propósito, esse cara da foto é o Jojoba, um cão interesantíssimo que descende de uma linhagen de cães nobres que viviam no Altiplano brasileiro em meio às árvores retorçidas e belíssimos córregos de águas puras e cristalinas. Jojoba, esse cara-de-pau oportunista e malandrão, é filho do Sansão, um cachorro especialíssimo que me acompanhou por mais de uma década - cuja memória me é saudosa até os dias atuais - e que, por sua vez, foi filhote de uma cadela Fila fantástica de um amigo chamada Odara. Ou seja, esses caras quadrúpedes me acompanham pela vida desde que me entendo por gente.
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Numa lista mais abrangente entrariam certamente outros cães e gatos notáveis com os quais tive a oportunidae e a honra de conviver na vida: Duque, Dalila, Linguiça, Zugui, Sansoquinha, Braveza, Loba, Kinco, Croquete, Dark, Mio e Pilsining (gato) cuja memória é evocada sempre e com profunda saudade em nossa família. Estes seres fazem parte de nossas vidas e têm mais a ver conosco do que imaginamos. Sistemicamente, eles se acoplaram a nós com enorme perfeição, o que veio a acarretar a eficiência de ambas as espécies. Definitivamente, estes seres merecem a nossa admiração.
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O antropólogo norte-americano Ralph Linton, em seu clássico O Homem: Uma introção à antropologia, faz menção à íntima relação social dos Comanche com seus cães. Estes fantásticos animais eram tratados praticamente como iguais, gozando de um status de partícipe da própria cultura desses ameríndios do Norte por puro mérito e competência.
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Da Redação.
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CITAÇÃO
"Os Comanche possuem dois animais domésticos, o cavalo e o cachorro. Os cavalos tinham para a tribo uma importância econômica extrema, pois deles dependiam quase todas as técnicas de caça, bem como o padrão todo da sua vida nômade. Por outro lado, a única utilidade possível dos cachorros era dar alarma contra um ataque noturno; utilidade, porém, que nunca vinha mencionada nas histórias comanches. Os antigos cachorros dos Comanche eram animais pequenos, nunca empregados para seguir rastros, nem para transporte [tração], nem para alimentação. Eram mantidos apenas como animais de estimação e dependiam tanto de seus donos que muitas vezes eram carregados a cavalo, quando um bando mudava de acampamento. Não obstante, parece que os cavalos eram considerados mais ou menos como consideramos as máquinas. Não tinham nomes, a não ser os nomes puramente descritivos, baseados na cor; e parece que seus donos tinham por eles pouca afeição e interesse. Nenhuma história se contava a respeito de um determinado cavalo; e o máximo que qualquer Comanche diria, a respeito dos que tivesse possuído, seria que um certo cavalo era bom na pista e na caça. Ainda mais impressionante é que os cavalos não parecem ter ocupado nenhum lugar na vida cerimonial da tribo. talvez fossem oferecidos numa dança, ou dados em pagamento a um médico-feiticeiro. Mas, nessas ocasiões, apresentavam apenas um valor intrínseco. Nunca apareciam em visões ou sonhos significativos, a não ser como pormenores acidentais; e eram, entre os animais conhecidos pelos Comanches, dos poucos a que nunca se atribuiu poder sobrenatural.
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Os cachorros, ao contrário, tinham nomes individuais, bem como o que podemos chamar de 'personalidades sociais'. Todos no bando conheciam suas indiossincrasias individuais e tratavam os cachorros quase como a crianças. Um velho contava uma história de uma cachorra preta, que tinha sido como uma segunda mãe para ele em sua meninice. E todo homem falaria durante horas sobre os cahorros que tinha conhecido. O presente de um cachorro de estimação estava em plano emocional muito diferente do presente de um cavalo, indicando a existência de uma relação mais pessoal e íntima que profissional ou cerimonial. Considerava-se como especialmente precioso o cachorro de estimação dado por um amigo ou parente falecido. Essa atitude se refletia no costume de pedir um desses animais como parte da indenização a ser paga a um marido ultrajado pelo amante de sua mulher. Em tais situações, o marido procurava mais a vingança que o lucro; e a perda do cachorro penalizaria mais um homem do que a perda de vários cavalos. matar um cachorro, ainda que fosse estranho, é ainda considerado de mau agouro e suscetível de provocar a morte dos filhos do matador. Finalmente, os cachorros apareciam em sonhos como figuras centrais, embora pareça que não eram dotados de poder. De tudo se depreende que, embora o cavalo ultrapasse muito o cachorro, em importância econômica, o cachorro ultrapassa muito o cavalo na avaliação do interesse. Embora usando mais o cavalo, muito mais necessário para a sua sobrevivência, os Comanche atribuíam maior significado ao cachorro. Talvez se alegue que não é justo comparar o interesse por um animal de trabalho com o interessse por um animal de estimação, porque esse último é, na realidade, membro da sociedade e, portanto, considerado pelo grupo, por assim dizer, como que pertencendo ao lado humano. Imediatamente, porém, surgiria o problema: - por que os Comanche não fizeram dos cavalos seus animais de estimação, como tantas outras sociedades? A resposta é que não tinham interesses suficiente por eles. Podemos assim fechar um dos círculos em que os elementos culturais se dispõem onde quer que estudemos um continuum cultural tomado em um único ponto de sua extensão." (pág. 404-405)
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LIVRO: O Homem: Uma introdução à antropologia // AUTOR: Ralph Linton // EDITORA: Martins Fontes // SãoPaulo: 1987 (12a edição brasileira) // FOTO: Juliano Thuran
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3 comentários:

Unknown disse...

Coincidência grande: ontem, adquiri mais um companheiro canino para presentear à minha esposa, quase dois anos depois que o insubstituível Max, de grande e saudosa memória, se foi. Trata-se do jovem Badá (o nome é uma referência à cidade de Badalona, onde nasceu, sete semanas atrás, a qual seria, de acordo com o costume brasileiro, mais um bairro do que uma cidade, propriamente dita, por sua proximidade/continuidade com Barcelona ). É um buldogue francês, carinhoso, tranquilo, brincalhão e, ao mesmo tempo, muito vivaz e inteligente, como já vem dando mostras. Espero que possamos retribuir a ele um pouco de tudo que estes seres extraordinários nos proporcionam. Abração ao amigo escriba,

Escriba Editora disse...

J.BAMBERG DISSE...

"Caríssimo Don Alejandro,El Escriba,

Um ditado velho,lá dos 60/70,época da 'durêta'no couro de todos nós,diz :'...sofre mais que mulher de comunista e cachorro de índio!...'.Essa fala aponta numa direção curiosa,se,não, bizarra. O nosso 'índio', em geral,até recentemente não queria cachorro beirando seus terrais,nem...A vara 'comia' no couro dos canídeos,via de regra..."-...xê-têt-têêê-ì !!!.....", em ofensa irretratável a expurgá-los do campo de visão de qualquer tupynâmbo,em geral... O que o R.Linton aponta é um traço do 'indio',comanche,sioux,oglala e muitos mais, lá dos EEUU,havendo muitos outros que não os tolerava.
Lá e cá, o ocorrido com o cavalo,o boi, e, com o cachorro,em especial, tem diferenças interessantes,pois. Aquí,e,claro,lá, o cachorro veio com o colonizador e em maioria de vêzes,em persiga do nosso 'primeiro-dono-da-terra', o 'negro-da-terra',leia-se,o'indio', que,porisso mesmo o odiava e sequer o caçava para comer...Ódio figadal,já descrito e muito bem, por Bartolomé de las Casas, em obra simple e belíssima!...
Depois, com as saudabilíssimas misturanças dos povos de lá com os de cá,e com,principalmente,a meu rude ver,muito mais do que o colono,entradista,bandeirante ou lavrador,à exceção do vaqueiro ou negríndio, a presença do negro-escravizado-e-fugido, já aquilombado nas aldeias mais a dentro e protegido pelo 'indio' e,maioria das vêzes, por lá ficando, casando-se, tornando-se um cunhado,já um familiar,com direito a plantar roças e tanto o mais, o cachorro - trazido pelo colonizador como ferramenta,arma de guerra e depois,também,companheiro dêsses 'outros'-veio junto,para ficar e fazer parte do contexto.
Lembremos: presença dos cães nas diversas culturas africanas é bem comum, seja no pastoreio,principalmente, também,na guarda,nas guerras e na caça ou enquanto 'companhia',havendo casos múltiplos de 'entêrros',sepultamentos, onde o cão está ao lado do seu dono/a,todos já mortos,óbvio, 'seguindo juntos a grande viagem'...Entre os egípcios,uma constante para quem os tivesse em zêlo.
No nosso caso,não.E,a princípio,isso ocorre depois da apropriação cavalo e do boi,por exemplo.O cavalo enquanto 'ferramenta-de-guerra' e o boi,ainda arisco,perdido,na mata, no mato,aos primeiros tempos, um animal-mítico,maior do que o tapyr, a anta, e com chifres fortes e mortais, que solta urros como um Iyaguá-açú-caang-uçú...Um novo 'ente' na sua imagétika-mítica de curupiyras, caapóras e tanto mais...Êsse, estranho ser, que,só recentemente entra para a dieta da maioria dos Povos Indígenas- especialmente,daquí,Sul da América,no,hoje,Brasil."

Escriba Editora disse...

J.BAMBERG DISSE...

"Lá,ao lado norte da América, só depois da mortandade absurda dos buffalos,pelos colonizadores,cowboys,soldados e outros aventureiros até internacionais, alí,apenas pela simples caçada, e a consequente escassez de carnes e couros,necessários ao enfrentamento dos tempos invernais,por parte dos Povos Indígenas,lá instalados desde quase sempre e então invadidos e perseguidos,terras de cultivos tomadas e sei lá mais o que a lhes conduzir para as 'reservas',os mais verdadeiros campos de concentração a céu aberto e escola maldita para outras experiências semelhantes,já em tempos posteriores,o século,ocidentalmente dito,20 ... - enquanto ítem da alimentação diária, a concorrer ou substituir o peixe e a caça, as frutas e mel,insetos e outros mais.
Há linhas etnológicas que pensam a presença dos cães junto aos humanos,até enquanto contributivo,significante, para a instalação dos grandes grupos, famílias e mais a definirem o que ,depois da simples socialização viesse a se transformar e evoluir para a Sociedade atual. O cão ,depois da domesticação,passa a ser ,quase, um 'ente da família', coisa que, de fato, vem a ocorrer na contemporaneidade. O companheiro da caça e da guerra evolúi para o'melhor amigo' que se transforma no 'seu filho' bem como num belo pitéu mercadológico, com gordíssimas fatias de participação no ambiente do grande-consumo.
Comida,remédios,brinquedos,roupas e sei lá mais quantos outros tantíssimos ítens à disposição dos bichinhos e dos seus embevecidos donos/as-papais-mamães'.
Bela matéria, a vossa, lá no Escriba, que não consigo 'acessar',para postar as minhas bestidades comentárias... Como fazê-lo,pois?!...Escrevo a'palavra-código',do quadradinho,me qualifico,ponho o password, e... Nada...Coisas dessa maquininha infernal!...

Grande e confraterno abraço,para vossência e d.Cris,e a mais, em aguardo do amigo Escriba,para uma 'churrascada- sangrenta', de fazer cachorro babar, aquí em BsB, 'terra-que-muito-cachorro-manda-e-manda-muito'...
Do seu mano mais rude, e ex-quadrúpede,quase bípede e atual,trípede,"
JB