QUEM?
Alfhonse Daudet (1840-1897) Escritor e romancista francês conhecido por seu estilo elegante que unia realismo e poesia.
COMENTÁRIO
Escrever, em última análise, é juntar letras, formar sentenças, compor um raciocínio, transmitir uma idéia ou conceito, criticar algo etc. Simples? Sim, mas ainda assim, lê-se muita porcaria por aí. Especialmente na era da televisão digital, das mídias eletrônicas, da internet; com suas inesgotáveis superficialidades banais. Lê-se frases, anúncios, notícias, placas; quando muito. Muitos nem ler sabem. É o retrato do Brasil desigual. Neste contexto, veloz e pouco profundo, ler Alfhonse Daudet, é um descanço para a mente intelectual que vive os dias pelos caminhos do Mundo e suas infinitas contingências. O homem era sensível e escrevia como um animal selvagem e pleno bote, pronto para capturar a realidade à sua volta, e transpô-la fluidamente para o papél com sua ágil e talentosa pena de escritor. Isso tudo, sem perder a candura e a simplicidade.
Nesta citação, vemos Daudet atingido literalmente pelo mundo que o cerca da Paris de sua época, já agitada demais aos olhos deste. É a pura genialidade deste autor francês, selecionada e transcrita tim-tim por tim-tim por este humilde editor Escriba. Puro deleite! Da redação.
CITAÇÃO
"É que nessa grande Paris, onde a multidão se sente inobservada e livre, não se pode dar um passo, sem se tocar rudemente em alguma aflição avassaladora, que vos salpica e vos deixa a marca ao passar. Não falo somente dos infortúnios que se conhecem, pelos quais nos interessamos, desses desgostos de amigo, que são um pouco os nossos e cujo encontro súbito vos aperta o coração como um remorso; nem mesmo desses desgostos de indiferentes, que não se ouvem senão por alto e que não obstante vos comovem. Falo dessas dores completamente estranhas, entrevistas de passagem, num minuto, na atividade da pressa e na confusão da rua.
São farrapos de diálogos sacudidos ao movimento das viaturas, preocupações surdas e cegas que falam sozinhas e muito alto, espáduas lassas, gestos loucos, olhos de febre, rostos intumecidos pelas lágrimas, lutos recentes mal enxutos nos véus negros. Depois pormenores furtivos, tão ligeiros! Uma gola de jaqueta amarrotada, puída pelo uso, que procura a sombra, um realejo sem voz girando em vão, sob um pórtico, uma fita de veludo no pescoço de um corcunda, cruelmente amarrada bem direito entre os ombros disformes... Todas essas visões de desgraças desconhecidas passam depressa e vós as esqueceis caminhando, mas sentiste o leve roçar de sua tristeza, vossas vestes ficavam empregnadas de desgosto que elas arrasatam após si, e, no fim do dia, sentis agitar-se tudo o que em vós ficou de terno e doloroso, porque, sem que vos apercebais, agarrastes na esquina de uma rua, na soleira de uma porta, esse fio invisível que liga todos os infortúnios e os agita, na mesma sacudidela." (pág178)
LIVRO: Histórias de Alfhonse Daudet // EDITORA: Cultrix // São Paulo // MCMLXIV
Nenhum comentário:
Postar um comentário