terça-feira, 20 de janeiro de 2009

O CAPOTE DE GOGOL


QUEM?
Nicolau Gogol (1809-1852), brilhante escritor ucraniano.
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COMENTÁRIO
Na Rússia de Gogol, vemos um povo de alma bela, forte e nobre, submetido às mais duras provações possíveis de se imaginar, onde muitas vezes o orgulho patriótico se mistura e se funde à submissão subserviente exacerbada e sem limites - algo parecido com a realeza britânica, com sua necessidade compulsiva por um herdeiro homem para o trono, um falo a que se cultuar - hábito antiquíssimo que remonta a própria história do homem na Terra - muito praticado em diversas culturas, originado da necessidade básica que afligiu os povos do Mundo em diferentes épocas - que é poder unir todo um povo, toda uma nação, sob uma única égide, um único soberano, especialmente, em territórios muito vastos e desunidos, em reinos muito extensos, como era o caso da Rússia do século XIX. A citação escolhida foi compilada do magnífico e imortal Conto de Nicolau Gogol "O Capote", e gira em torno da miserável situação social do povo russo à época, retratando com sabedoria e brilhantismo a burocracia vigente nas hierarquias governamentais, e o pseudo poder gozado pelos chefetes da vez, em contraste com a dura realidade das coisas simples e importantes da vida cotidiana, no caso aqui: um cidadão comum em meio a tantos outros, o frio extremo da mãe Rússia e um casaco, ou melhor, um capote, como se diz por lá em terras asiáticas. Literatura de altíssimo nível com recomendação especial deste humilde Editor. É só conferir e se deleitar!
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CITAÇÃO
"O espírito de imitação infectou fortemente nossa santa Rússia, cada um quer bancar o chefe e imitar alguém maior: certo conselheiro titular chamado a dirigir uma repartição sem importância apressou-se, dizem, a arrumar, com ajuda de uma divisória, uma espécie de quarto, pomposamente chamado de 'gabinete do diretor'; porteiros de colarinho vermelho e galões em todas as costuras abriam a quem chegasse a porta de seu antro, onde mal cabia uma modestíssima mesa. Nosso personagem importante afetava um ar nobre e maneiras altivas. Seu sistema, dos mais simples, baseava-se unicamente na severidade. - Severidade, mais severidade, sempre severidade! , repetia ele sem cessar fulminando seu interlocutor com um olhar significativo ainda que supérfluo; os dez ou doze empregados que tinha sob suas ordens estavam cheios de respeito e de temor salutar: assim que eles o viam chegar, abandonavam suas ocupações e esperavam, estáticos em posição de sentido, que ele se dignasse atravessar o escritório. Se ele dirigisse a palavra a um inferior seu, era sempre num tom áspero, e para o mais das vezes uma das três perguntas seguintes: - Onde adquiriu essa arrogância? Sabe com quem está falando? Sabe diante de quem você está?

Era, no entanto, um homem bom, muito prestativo, e ainda havia pouco de um trato agradável com seus amigos; mas o título de Excelência lhe havia virado a cabeça. Assim que obteve este título, seu espírito se perdeu, e ele perdeu todo controle sobre si mesmo. Com seus iguais, conduzia-se ainda como um homem bem educado, nada burro sob muitos aspectos; mas, se porventura se misturassem à sua companhia pessoas inferiores, ainda que apenas de um grau abaixo da categoria que ele ocupava na hierarquia, ele se tornava de imediato insuportável, esquecia toda polidez e não dizia palavra. Isso não o empedia de se dar conta de que poderia ter passado o tempo de uma maneira muito mais agradável." (pag33)
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LIVRO: CONTOS RUSSOS ETERNOS // AUTOR: NICOLAU GOGOL // EDITORA BOM TEXTO // RIO DE JANEIRO // 2004.

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