segunda-feira, 6 de abril de 2009

CIMOURDAIN E GAUVAIN EM 93 DE HUGO: UM EMBATE DE TITÃS

QUEM?
Victor-Marie Hugo (1802-1885). Talentoso escritor e poeta francês. Autor de Os Trabalhadores do Mar e Noventa e Três, entre muitas outras obras notáveis. Esta última, belíssima aliás, trata da Revolução Francesa, só que romanceada, e vista por este mestre imortal da pena.
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COMENTÁRIO
Este livro, 93, interessa diretamente a todos aqueles que gostam de história, política, cultura, direito, mas também, de uma maneira ampla, fará o leitor penetrar no âmago dos direitos humanos universais, coisa que, sem sombra de dúvida, diz respeito a todos nós, sem excessão.
Rápido como quem rouba, algumas breves citações do diálogo final entre os personagens Cimourdain e Gauvain na magnífica obra Noventa e Três de Victor Hugo. Obra esta que nos faz conhecer melhor o mundo em que vivemos, pois retrata um momento histórico importante e também a alma humana, repleta de infinitas contradições e sonhos.
Na masmorra, o embate entre Gauvain e seu mestre Cimourdain sobre a construção de um novo mundo, antes do primeiro seguir para a morte na guilhotina. Um drama histórico eletrizante interessantíssimo. Prosa finíssima, com a marca registrada do gênio.
Na foto, Victor Hugo com os netos.
Da Redação.
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CITAÇÃO

"Dizia Gauvain:
- Grandes acontecimentos se estão delineando. O que a revolução faz neste momento é misterioso. Por trás da obra visível a obra invisível. Uma oculta a outra. A obra visível é feroz, a invisível é sublime. Neste momento distingo tudo nitidamente. É extraordinário e belo. Não houve remédio senão aproveitarem-se os materiais do passado. Daí este extraordinário 93. Por baixo de um andaime de crueldade, edifica-se um templo de civilização." (pág256)

"- Quero falar da imensa concessão reciproca que cada um deve a todos, e todos a cada um, e que constitui toda a vida social.
- Fora do direito estricto nada há.
- Há tudo.
- Eu só vejo a justiça.
- Eu olho mais para cima.
- Que há então acima da justiça?
- Há a equidade.
De tempos em tempos paravam como se passassem clarões.
Cimourdain continuou:
- Desafio-te a que entres nas aplicações.
- Pois bem. O senhor quere o serviço militar obrigatório. Contra quem? Contra outros homens. Eu não quero serviço militar. Quero a paz. Quero os miseráveis socorridos, eu quero a miséria suprimida. Quere o imposto proporcional. Eu não quero imposto nenhum. Quero a despesa comum reduzida à sua expressão mais simples e paga pelas sobras sociais.
- Que entende tu por isto?" (pág257)

"Gauvain continuou:
- E a mulher? Que destino lhe querem dar?
Cimuordain respondeu:
- O que ela tem. Ser a serva do homem.
- Sim, com uma condição.
- Qual vem a ser?
- Que o homem seja servo da mulher.
- Pois pensa nisto? - exclamou Cimourdain; O homem é senhor. Só admito uma realeza, a do lar. O homem em sua casa é o rei.
- Sim. Com uma condição.
- Qual vem a ser?
- É que a mulher seja nele a rainha.
- Isto que queres para o homem e para a mulher...
- A igualdade.
- A igualdade! Pode lá ser? Se os dois entes são diversos.
- Disse igualdade. Não disse identidade.
Houve outra pausa, como uma espécie de trégua entre aqueles espíritos que trocavam entre si relâmpagos. Cimourdain rompeu o silêncio.
- E a que dás tu a criança?
- Primeiro ao pai que a gera, depois à mãe que a concebe, depois ao mestre que a educa, depois à cidade que a viriliza, depois à pátria que é a mãe suprema, depois à humanidade que é a grande avó.
- Não falas de Deus.
- Cada um destes degraus, pai, mãe, mestre, cidade, pátria, humanidade é um dos degraus da escada que sobe até Deus." (pág259)

"- Ó mestre, eis a diferença entre as nossas duas utopias. O senhor quere a caserna obrigatória, eu quero a escola. Fantasia o homem soldado, eu fantasio o home cidadão. Deseja-o terrível, eu quero-o pensativo. Funda uma república de gládios, eu fundo...
Interrompeu-se:
- Fundaria uma república de espíritos." (pág261)

"Carregar fardos eternos não é a lei do homem. Não, não, não, basta de párias, basta de escravos, basta de forçados, basta de condenados! Quero que um dos atributos do homem seja um símbolo de civilização e um modelo de progresso; quero a liberdade perante o espírito, a igualdade perante o coração, a fraternidade perante a alma. Não, basta de jugo! O homem não foi feito, não para arrastar cadeias, mas para abrir asas. Não quero o homem réptil. Quero a transfiguração da larva em lepidóptero; quero que o verme se transforme numa flor animada e vôe." (pág263)
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LIVRO: Noventa e Três // AUTOR: Victor Hugo // VOLUME: II // EDITORA: Lello e Irmão Editores // Porto // Portugal // Sem data

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