quarta-feira, 4 de março de 2009

DOIS NAUFRÁGIOS POR ALFHONSE DAUDET

QUEM?
Alfhonse Daudet (1840-1897). Escritor e romancista francês conhecido por seu estilo elegante que unia realismo e poesia.
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CITAÇÃO
"Veja só o senhor o pior da história... Três semanas antes do sinistro, uma pequena corveta que seguia para a Criméia, tal como Sémillante, havia naufragado nas mesmas circunstâncias, quase no mesmo lugar; apenas, daquela vez, tinhamos conseguido salvar a tripulação e vinte soldados em trânsito que se encontravam que se encontravam a bordo... Êsses pobres rapazes não se sentiam à vontade, bem imaginam! Nós os levamos para Bonifácil, onde passaram dois dias conosco... Depois de secos e refeitos, adeus! boa sorte! regressaram a Toulon, e alguns dias depois novamente embarcaram para a Criméia... Adivinhem em que navio?... No Sémillante... Tornamos a encontrar todos os vinte estendidos entre os mortos, no lugar onde achamos... Eu próprio ergui um bonito brigadeiro de bigodes bem tratados, um parisiense louro que eu hospedara em minha casa, e que nos fizera rir o tempo todo com seus casos... Ao deparar como ele, tive o coração dilacerado... Ah! Santa Madre!..." (pág37)
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COMENTÁRIO
O mar por vezes tem fome... E é voraz em sua fúria inconsciente. Em seu afã, come gente. Devora almas. Muitas de uma vez, quando assim querem os seus humores altivos e instáveis. Algo como uma força incomensuravelmente avassaladora e prepotente que não faz predileções: devora e extingue o que estiver em seu caminho. Trata-se aqui do talento de um notório contista francês, mas representa por si, como fenômeno repetido, um exemplo ilustrativo das milhares de almas que já foram devoradas em sua ânsia através dos tempos imemoriais. Este nobre senhor Mar, profundo, belo e sereno, também sabe se revoltatar. E quando o faz, é, literalmente, um Deus nos acuda. Aqui perto, na praia onde estou mesmo, existe também um naufrágil, de um cargueiro japones que se perdeu de sua rota ao contornar a costa. A catástrofe se deu a mais de cinqüenta anos atrás, e na ocasião a praia ficou - como contam os mais velhos cidadãos que presenciaram o acontecido - 'qualhada de corpos' . E, os relatos se seguem: - Ouviu-se na naquela sinistra noite do Cabo Frio, no meio da tempestade, o mugido do imensso animal metálico pedindo socorro como num lamento; mas seu destino já estava selado pelo próprio mau tempo: seria devorado pela incrível borrasca. Arraial do Cabo era apenas uma aldeia na época, uma minúscula vila de pescadores, um arraial como o próprio nome evoca, e, assim, nada poderia ser feito. Cabo Frio... também... Não tinha recursos à época para socorrer ninguém. Naquela noite tempestuosa, quem teria? Chovia e ventava muito. Mais de cem vidas ceifadas, cujos corpos foram enterrados num semitério improvisado numa encosta de Monte Alto, cidade vizinha, numa colina diante daquele mesmo mar que os devorara. Do ocorrido, como testemunha perene da tragédia, em meio a enorme e esparramada paria de Maçambaba, ergue-se misteriosamente junto a suas areias, amplas e sem pedras, um enorme escolho de metal submerso, que ao sabor das ondas da arrebentação, encravado na areia, como um esqueleto, deixa à mostra sua imponente crista negra, recoberta por mariscos no meio daquela imenssidão.
Meros e pobres... Humanos... minúsculas criaturas neste enorme Planeta... pequenas e agitadas vidinhas cheias de si... Almas mortais singrando águas sem fim. Volta e meia, esta força, misteriosa e alheia a tudo, cobra seu tributo... muitas vezes em vidas.
Da redação Escriba.
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LIVRO: Novelas // AUTOR: Alfhonse Daudet // Editora Melhoramentos // São Paulo

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